Rafael Mussolini 19/01/2020
O pai da menina morta
O pai da menina morta de Tiago Ferro (Editora Todavia, 2018) narra a história de um pai lidando com a morte de sua filha de apenas oito anos. O livro surpreende e envolve o leitor por sua liberdade de narrativa e entrega do autor ao contar uma experiência pessoal e tão íntima. O pai da menina morta é uma espécie de diálogo sobre o luto e faz a gente refletir sobre vida e morte.
O pai da menina morta venceu o Prêmio Jabuti de 2019 como melhor romance e também o Prêmio São Paulo de Literatura. Além de ser um grande exemplo de boa narrativa e domínio da escrita literária, acredito que o livro também consegue se aproximar de forma muito especial de cada leitor. Apesar de estar tratando de um tema que para muitos é um grande tabu - o livro consegue criar identificação, pois, quem nunca perdeu alguém próximo e teve de lidar com a experiência do luto?
O livro suscita um diálogo interessante sobre as formas de encarar o luto. Nosso narrador acabou lidando de diversas formas com a dor de perder uma filha. Procurou por ajuda terapêutica, espiritual, medicinal e fez algo muito interessante que foi a revisitação de diversas experiências pessoais. Alguns desses fatos relacionavam-se diretamente com a questão da perda, mas não necessariamente foram as principais vivências revisitadas.
Acompanhamos diversos episódios da vida de Tiago Ferro relacionados à infância, adolescência, vida adulta, carreira, amores, sexo, sociedade. É como se para tentar entender a morte, Tiago se jogasse de cabeça na vida. A escrita do livro nos dá a impressão de que apenas entendendo o que é viver, podemos mensurar minimamente o que é a morte e seus impactos na vida de quem fica.
Tiago Ferro questiona o silêncio e para questionar o silêncio nada como ser ouvido. Durante todo o livro o autor faz confissões, mas também desenha cenários hipotéticos e situações ilusórias e até mesmo estranhas para botar pra fora o que passa em sua mente. O título "O pai da menina morta" ilustra bem como o próprio autor se sente e em uma das passagens Tiago diz "quando me esqueço da dor, eu me afasto da Minha Filha". Essa afirmação acaba por colocar o estar em luto como característica da sua personalidade a partir de então. O título também pode ser entendido como uma forte alusão a como ele passa a ser visto por todos após a morte da menina, como um estigma, uma marca permanente da dor.
"Minha filha deixa seus pais sem chão, pela inversão da lei da natureza que os obriga a sepultar nesta sexta a menina de oito anos, às 11h no Cemitério da Lapa, na zona oeste de SP."
Em seus capítulos na maioria breves e sem rodeios o autor conversa conosco que estamos lendo e também com pais que também perderam seus filhos. O tom da narrativa nunca é de extrema melancolia, de autocomiseração nem autopiedade - é o tempo todo um exercício de entendimento que tenha ao menos o poder de tornar a dor explicável.
O pai da menina morta é um livro que nos tira do lugar. Impossível sair impassível dessa experiência de leitura que nos faz olhar de frente na cara da morte, para a iminência de nunca mais poder ver alguém que é importante em nossa vida, de precisar olhar para o vazio e enfrentar a ausência.