Higor 24/01/2021
"Lendo Pulitzer": sobre a vida nossa de cada dia
Se há tempos eu percebi que o Prêmio Pulitzer, embora importante, é um tanto irregular quanto a suas escolhas, com livros em sua maioria medianos ou ruins, é um tanto assustador, e até mesmo gratificante encontrar um livro tão bom quanto "Olive Kitteridge" em sua lista. Claro que se trata de uma impressão pessoal e que eu sequer tenho embasamento literário para tal afirmação.
Mais impressionante que se deleitar com um livro tão incrível como "Olive Kitteridge", no entanto, é constatar que ele não é revolucionário, inovador ou que debate temas polêmicos, atuais e necessários. O que faz com que ele seja tão bom é justamente o oposto: a vida comum, simples crônicas do cotidiano, que acontecem em Crosby, Maine, mas que podem acontecer em qualquer lugar do mundo, com qualquer pessoa, em qualquer bairro.
Embora não seja de fato inovador, é interessante acompanhar os 13 contos, sem uma cronologia de tempo organizada, mas que se tem uma ideia por da idade dos personagens, em um conto adulto, para no seguinte sequer ter nascido, e no outro ser um adolescente mimado - método, aliás, que o próprio Pulitzer o prêmio tempos depois ao igualmente fabuloso "A vida cruel do tempo", de Jennifer Egan.
O único fio-condutor dos contos é, justamente a personagem-título, ora protagonista, ora mãe do protagonista da vez, ou a professora de matemática de certo aluno que, embora tivesse medo dela no passado, foi aconselhado e tais palavras mudaram seu jeito de pensar ou de compreender a vida.
E embora Kitteridge seja a principal condutora da história, não significa, necessariamente, que é uma personagem adorada. O que acontece é justamente o contrário: com uma antipatia e rudeza que beiram a impaciência, o que faz com que o leitor seja cativado com a história é justamente o viés humano, a demonstração de que ninguém é somente bom ou mau, mas que já uma mistura singela de ambos, com acertos, erros, tentativas e frustrações. A identificação vem na mãe frustrada com o relacionamento sem futuro do filho, ou com a indiferença do filho ante o estado de saúde do pai, ou ainda com a vizinha fofoqueira que aparenta querer destruir o casamento alheio… Cenas do cotidiano, meus caros, que encontramos facilmente em cada esquina, em cada grama do vizinho.
Sem inovações ou revoluções, mas com uma simplicidade suficiente para atrair a atenção até do mais exigente dos leitores "Olive Kitteridge" é uma aula bem-sucedida de como a vida real pode ser interessante e assustadora de se acompanhar.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Pulitzer'. Mais em:
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