Roseane 17/07/2018
Quem tem medo?
Como mulher negra retinta assim como a autora me vi praticamente em todo o livro. É muito reconfortante saber que tudo que passo não é uma ?predestinação divina?, definitivamente não era pra ser assim. Nos estudos que faço vejo que o papel familiar é a principal arma de sobrevivência para a população negra, há quem ache que ter dinheiro basta (será que Oprah não sofre racismo?).
Quando eu falo família eu não me refiro a esse padrão dos fundamentalistas, pai, mãe, filho, eu falo de nós por nós Unidos em rede de apoio.
Eu ainda estou numa ressaca literária severa após ler a biografia de Maria Carolina de Jesus, fico horas imaginado se ela, ao invés de ter sido embriagada com cachaça por uma vizinha para dormir e não chorar, se ela tivesse tido alimentação adequada, moradia em boas condições, assistência de saúde para seu problema de pele, educação, infância garantida com os estímulos para a idade, apoio dos familiares consanguíneos, respeito dos vizinhos, sem o abandono dos seus parceiros... onde chegaria Carolina? Quantas Carolinas temos pelo mundo a fora entregue a própria sorte.
Todo mundo sabe que sou fã incondicional de Djamila Ribeiro, nunca me senti tão contemplada, aliás já sim, O que é lugar de fala me jogou no chão com tantas verdades.
Djamila fala pra mim, Djamila fala de mim.
Com o crescimento da voz negra na diáspora brasileira, todo mundo quer segurar o microfone, a indignação de Beatriz de Nascimento é minha, muitos vem aprendem um pouco sobre dança religião e culinária e já se consideram mais negra do que eu, querem ser ekedi, escrever livro sobre o candomblé mas não querem virar noite cortando quiabo ou lavar o banheiro no dia de festa, querem ser rainha da bateria mas não querem empurrar o carro, lesar os dedos o ano inteiro costurando fantasia, querem ser Ivone, Nina mas não querem a árdua tarefa de viver como retinta.
Esse livro mexeu muito comigo é como se fosse feito pra mim. É muito confortante saber que não somos loucas, incapazes, indesejáveis... existe um sistema pra empurrar tudo isso goela abaixo.
Eu fico numa sensação de pertencimento e existência que não tenho como descrever. Ser invisível não é nada fácil e graças a Deus tem um leque de escritoras negras que sempre nos enxergaram e estão tendo oportunidade de nos divulgar. Só tenho a agradecer.
Esse livro serve como manual, é um livro pra ter pra sempre, está recheado de referências que da fazer muitos estudos para nosso auto conhecimento.