Kesio.Rodrigues 22/04/2024
Calma, calma. Também tudo não é assim escuridão e morte.
Comentário geral sobre o primeiro volume da prosa completa da Hilda Hilst.
Seria lugar-comum escrever que Hilda Hilst foi uma autora difícil, transgressora ou qualquer coisa que o valha. Foi, de fato. Porém, uma primeira leitura revela que o desafio de encarar a autora não está necessariamente ligada a sua dificuldade (que seria um fluxo de consciência em permanente surto lúcido) mas sim em se deparar com as contradições da literatura, aqui expostas sem pudor.
Em Hilda Hilst o sexo é vida e morte, mas não só. É também maneira de tentar alcançar algo inalcançável, ou forma (as vezes desesperada) de tentar iluminar uma permanente escuridão. A "alta" literatura se mistura com a vulgaridade do folhetim pornográfico, e a linguagem baixa é matéria de elevada literatura. O obsceno, por mais explícito que seja, não chega a ser propriamente erótico, mas sim um escárnio. O efeito disso tudo é uma permanente sensação de busca e conflito. Nada basta, tudo é um abismo de sensações.
Os personagens (se é que dá pra chamar assim) tem contornos bem definidos, apesar de dificilmente serem descritos. É como ler um teatro em prosa, só que sem as guias cênicas ou indicações de falas. Hilda move suas criaturas (um termo mais apropriado que "personagem") como marionetes em um espetáculo cênico cujo palco é a simples subjetividade, mas aqui não tomada como palavra vazia. A autora não atua em um plano necessariamente físico, e tão pouco metafísico (apesar de parecer), tudo se passa muito mais por dentro, em um constante questionamento e impossibilidade de resposta (aliados a uma metalinguagem relativamente simples). Fica a cargo do leitor mapear a lógica no meio disso tudo.
"Calma, calma. Também tudo não é assim escuridão e morte", são as primeiras palavras do seu primeiro livro de prosa Fluxo, Floema.
De certa forma ela provou seu ponto, entre a escuridão e morte existe um intervalo minúsculo onde da para sentir tudo que existe.
Como diria Bolaño, e talvez a Hilda concordasse: "Temos que viver a vida, tudo consiste nisso. A literatura não vale nada".
O volume compila:
Fluxo, Floema (1970)
Kadosh (1973)
Pequenos discursos. E um grande (1977)
Tu não te moves de ti (1980)