Higor 26/12/2022
"LENDO NOBEL": sobre as particularidades suecas
Com quase dez anos de atraso desde a láurea de Tomas Tranströmer para o Nobel de Literatura, a editora Âyiné assumiu a empreitada de publicar a obra do autor no Brasil, o que se mostra desde o primeiro poema da coletânea presente em "Mares do Leste", e reforçado pela nota da tradutora, Márcia Sá Cavalcante Schuback, o trabalho árduo em executá-lo. Aliás, tal trabalho, primoroso, delicado e até desnecessariamente em tom de desculpas por algo passível de má qualidade (o que não é), justifica também o silêncio de editoras especializadas em autores laureados em não publicá-lo até então.
Traduzir não somente literatura escandinava, mas o próprio Tomas Tranströmer se mostrou um trabalho gigantesco, com um resultado à altura. Além do fato de ser uma literatura escandinava, o que por si só já é difícil de se ter em tradução direta, ainda mais de qualidade, (que não vou entrar no assunto eterno acerca da dificuldade em se traduzir poesia), a obra de Tranströmer se provou um tanto particular e específica… cultural, biográfica e geograficamente, eu diria. Muitas são as referências à geografia e aos espécimes do país, quando o autor não se desdobra, além disso, em usar seus antepassados como personagens.
Como primeiro contato ao autor, Márcia fez uma seleção precisa e bastante acertada, começando com o primeiro poema da primeira coletânea de Tranströmer, "17 poemas", como forma delicada de ilustrar o avanço poético do autor.
A partir daí, salta para a coleção que dá nome ao livro no Brasil, "Mares do Leste", o que ilustra toda a força poética e característica do autor, e a supracitada poesia geográfica e biológica: aqui temos, por exemplo, o Mar Báltico e seu arquipélago, com cerca de 24 mil ilhas. Tamanha extensão e particularidade do local seria difícil de ser traduzida e explicada com precisão, logo, segundo a tradutora, tudo foi resumido a "mares", os mares do leste, os mares bálticos. Além disso, o poema é interrompido em alguns momentos para dar espaço a anotações pessoais do avô de Tranströmer, que fora piloto marítimo.
A próxima coleção, "Gôndola lúgubre" carrega mais situações particular: a alusão a uma partitura do compositor húngaro Franz Liszt, que, inclusive, é mencionado com suas obras um sem número de vezes, e os últimos meses de vida do compositor alemão Wilhelm Richard Wagner; além disso, o recente drama do autor, vítima de um derrame que fez com que perdesse a fala e o lado direito do corpo ficasse paralisado, fez com que a coleção tivesse uma carga melancólica e dramática.
Com dificuldade de escrever e falar, o autor logo passa a se concentrar em haikais com mais precisão, onde se concentra em "Prisão", um presente ao amigo diretor de uma prisão, e "Grande enigma", se demorando nos mais diversos temas, como carpe diem, reflexões sobre a morte, representações da natureza e viagens.
Bem traduzido, mas nem por isso certamente identificável por conta de suas particularidades, "Mares do Leste" pode ser uma boa porta de entrada ao autor e sua obra. Com todo o distanciamento e provável falta de afeição em diversos momentos de sua leitura, o cuidado, atenção, respeito da tradutora ao autor e sua esposa, para que tudo saísse o mais correto e bonito possível, mesmo diante das impossibilidades, vale o esforço. O nosso pelo da tradutora, pelo autor. Pela poesia.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".