Oz 21/04/2018
E então, Leitor. Está curioso para saber algo sobre o romance “Se Numa Noite de Inverno Um Viajante”, de Italo Calvino. Pega seu computador, tablet ou celular e começa a navegar pela internet em busca de alguma resenha ou comentário relevante. No entanto, decide que é melhor preparar um café para acompanhar esse momento de descontração. Enquanto prepara sua bebida, vai clicando em alguns dos links que aparecem na página de busca, já excluindo aqueles que se parecem com meros excertos comerciais ou páginas de venda do livro. Busca por algo que acrescente alguma coisa além do mero resumo de três linhas que leu sobre a história e que, por sinal, já lhe parece bastante curiosa. Com o café pronto, decide se sentar confortavelmente no sofá da sala. Com o café em uma das mãos, utiliza a outra para mexer no aparelho que agora está apoiado sobre suas coxas, enquanto estica os pés até a mesinha de centro. Nessas horas, tem a certeza absoluta de que manter os pés na posição mais confortável possível é quase que uma obrigação. É seu momento de lazer. De repente, em meio a uma torrente infinita de referências, depara-se com um desses blogs dos quais nunca ouviu falar antes, embora, a um primeiro olhar, pareça-lhe até um pouco ajeitadinho, o que lhe transmite uma sensação de credibilidade. Tem lá uma resenha do romance pelo qual busca mais informações e decide dar uma espiada para ver se tem sorte. Quando começa a ler, percebe que a resenha é tão estranha quanto a sinopse que havia lido, mas isso te instiga de alguma forma...
A resenha:
Calvino nos presenteia com um livro muito peculiar, onde nós, leitores, assumimos o papel de um protagonista que passa pelas situações mais surreais ao buscar terminar a leitura de romances que começa a ler e que, por algum acontecimento estranho, é impedido de finalizar. Assim, enquanto um capítulo trata da história desse protagonista – o Leitor, abordado tão diretamente que Calvino escreve como se conversasse conosco ao utilizar o “tu” -, o capítulo seguinte narra o começo de um romance que este Leitor começa a ler. Porém, como comentado, esse capítulo se encerra com a narrativa ainda em suspenso, de forma que nunca sabemos o final da história. E assim segue o livro, em capítulos intercalados entre a luta interminável do Leitor, que busca encontrar os romances que nunca termina de ler, e os próprios romances. Nesse caminho, o protagonista passa a dividir sua atenção entre os livros e uma outra pessoa.
Fim da resenha.
Aí está, Leitor. A resenha acaba justamente no momento em que algo seria dito sobre uma outra pessoa, talvez tão importante quanto você mesmo, ou melhor, quanto o Leitor. Você põe o café de lado e exclama algo em tom de reclamação, como se o sujeito desse blog não tivesse tido o cuidado de terminar a resenha decentemente. Vai ver que é por isso que esse blog não seja dos mais reconhecidos e recomendados, servindo apenas como mais uma parcela do todo que compõe o submundo da internet. Ainda assim, sua insatisfação faz com que investigue mais a fundo aquele site. De repente, descobre uma espécie de link quase invisível no final da página da resenha. Será que vale a pena clicar? Você pensa que é muito suspeito, talvez um vírus. Mas sua curiosidade é maior do que tudo e decide clicar. Precisa saber quem é a tal da outra pessoa! Para sua surpresa e felicidade, mal acredita no que aparece na tela.
Continuação da resenha:
O jogo de vai e vem de Calvino demonstra total domínio da escrita e de diferentes estilos narrativos. Enquanto um dos romances não terminados trata de um professor viciado em atender qualquer toque de telefone, o outro trata de um aprendiz oriental cujo objetivo é tentar apreender as sensações do ambiente do modo mais intenso possível, ainda que isso o leve a se envolver com a esposa de seu mestre. Se a diferença absurda entre essas histórias salte aos olhos, o surrealismo com que o protagonista-leitor se depara momento após momento tampouco fica atrás. Esse é o lado bom e ruim do romance de Italo Calvino. De início, a originalidade do livro e a fluência da leitura sugerem que aquele poderá entrar na sua lista de livros favoritos de toda a vida. Com o passar das páginas, porém, esse efeito e essa fluência acabam se esvanecendo um pouco, pois qualquer tipo de expectativa de uma narrativa calcada um pouco mais num realismo vai caindo por terra. Tudo fica um pouco confuso e turvo, perdendo um pouco de uma identificação criada inicialmente.
Fim da resenha. Agora de verdade.
Pronto. A resenha acabou e não há mais links escondidos. Nada foi revelado sobre “a outra pessoa”. Apesar disso, também estava gostando dessa continuação da resenha, ou melhor, dessa outra resenha. É bem verdade que ela também acabou de maneira antecipada, antes de o autor dar o veredito final em forma de uma nota. Talvez a nota do livro esteja em outro lugar do blog. Quando decide que vale a pena procurar, o despertador do celular toca. Está atrasado para um compromisso bem importante, Leitor. É melhor ir se aprontar e deixar essa coisa de nota para outro momento. Afinal, tem um encontro dentro de meia hora com a Leitora, que estará ansiosa para discutir contigo algumas coisas que vai para muito além de uma mera leitura.
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