Queria Estar Lendo 01/11/2018
Resenha: Ele
Ele - Quando Ryan conheceu James é um romance gay e hot escrito pelas autoras Elle Kennedy e Sarina Bowen. Publicado no Brasil pela editora Paralela, que nos cedeu um exemplar para resenha, o livro presta um desserviço a literatura LGBTQ+.
Ryan Wesley é gay e completamente apaixonado por James Canning, seu melhor amigo a quem ele acredita ser hétero. Não sabendo lidar com seus sentimentos e desejos, propõe uma aposta ao amigo: aquele que perder deve pagar um boquete para o outro. Quatro anos depois, com a amizade acabada após o desenrolar da dita aposta, Wes vai finalmente reencontrar James. E por mais que ele queira fugir e evitar seus sentimentos, dessa vez parece que é James quem está disposto a não deixar a chance escapar.
"O perdedor paga um boquete para o outro", ele disse, enquanto eu dava a tacada."
Dito isso, posso basicamente resumir o livro a: sexo, bifobia, machismo e muito preconceito. A questão envolvendo o sexo não é um incômodo, de fato, visto a proposta do livro e o gênero ao qual ele pertence. Não posso negar, no entanto, que me senti lendo uma fanfic pwp (porn whitout plot). Sem falar, é claro, que eu dei muita risada com as cenas e não acho que esse era bem o objetivo da coisa. Talvez possa ser algo de tradução, e aqui não é culpa da tradutora mas sim da forma como enxergamos certas palavras, mas a coisa simplesmente não funcionou pra mim.
Quanto a bifobia, foi um circo de horrores. Preciso dizer antes de mais nada o quão complicada é a situação dos bissexuais na nossa sociedade, e aqui eu falo no geral e não apenas em nosso país. O preconceito existente contra as pessoas LGBTQ+ se estende para os bissexuais até mesmo de pessoas que também pertençam ao espectro. Dentro da própria comunidade há quem não se relacione com quem é bi por preconceito ou medo de traição, já que bi "tem o dobro de possibilidades e, portanto, o dobro de chance de trair".
"Passo mal quando o imagino me deixando. Ficando pior ainda quando penso que estou competindo não apenas com um, mas com dois gêneros pela sua afeição."
Afora isso, no sentido de entender as pessoas bissexuais como sendo promíscuas, também existe o fator da indecisão. Na ideia de que um bissexual na verdade ou é um hétero curioso ou alguém que não se assumiu. Quando em um relacionamento hétero, um bi sempre será visto como hétero, e quando em um gay ele então será tido como finalmente alguém que se assumiu. Um bissexual nunca é um bissexual. Ser bi é sinônimo de ser invisível.
Portanto, é necessário dizer que acolho com muita felicidade toda boa representação de personagens bissexuais que a cultura pop e a literatura possam me oferecer. Por isso que me dói tanto quando vejo os mesmos preconceitos e esteriótipos sendo reproduzidos com estes personagens. O que foi exatamente o que ocorreu nesse livro.
"Não tenho dúvida que curto mulheres.
Mas, aparentemente, também curto homens.
Maravilha. Meu pau é um cara complicado."
James é bissexual, mas durante a história é inicialmente tido como "o amigo hétero" - o que não vou julgar, pois condiz com a heteronormatividade (em que assumimos que ser hétero é o padrão) -, e depois como possivelmente gay ou com atitudes/preferências gays. Quando finalmente compreendido como homem bissexual, passa a então gerar inseguranças e ciúmes por parte de seu interesse amoro. Afinal, ele poderia ter quem ele quisesse - fosse homem ou mulher -, ou poderia "sentir falta de uma vagina".
Toda a situação envolvendo a sexualidade de James é confusa e desrespeitosa, mais até da parte de Wes do que do próprio Jamie (quem estava se descobrindo e teria, por isso, razões para não saber agir inicialmente quanto a isso). Enquanto isso, Wes tem sua sexualidade tratada de forma totalmente fetichista.
"Sinto gosto de chuva, cerveja e uma masculinidade viciante."
A masculinidade excessiva e desnecessária dos personagens apenas ressalta um esteriótipo, o gay sarado e gostoso que é safado e arranca suspiros. Porque o problema não é ser gay, o problema é ser afeminado. Isso fica bem claro nas diversas vezes em que as autoras recorreram a recursos narrativos para jamais deixar o leitor esquecer de Wes e James poderiam até estar fazendo sexo um com o outro, mas faziam isso de forma máscula, "como homens".
Sendo um livro com tão pouca história para além do casal transando, é de se surpreender com a quantidade de machismo que existe nele. São poucas as mulheres a fazerem uma aparição, mas nem isso as livra de serem vistas com maus olhos. Já nas primeiras páginas vemos Wes se referir a namorada de outro amigo de forma depreciativa, depois faz o mesmo com a amiga-colorida de James, e segue tendo esse tipo de atitude e pensamento em todas as páginas que restam. Me senti ofendida como mulher, e duplamente ofendida como mulher bissexual.
"Nenhum. Só não sabia que você estava convertendo héteros agora."
Ele - Quando Ryan conheceu James é o exemplo perfeito de duas mulheres tendo fetiche em dois homens se pegando. E isso não teria problema, não fosse o fato de se dar de maneira tão errada e preconceituosa. Não tivesse atacado os bissexuais e as mulheres da forma como atacou. Não tivesse sido um erro do início ao fim.
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