Thaís 15/03/2024
Aos poucos foi criando raízes em mim
Já havia lido outras histórias da autora e estava acostumada a uma progressão mais lenta da narrativa, mas as anteriores sempre tinham algo, uma motivação clara que instigasse a personagem principal, um assunto que precisava ser resolvido ou desvendado. Já esse eu tive certa dificuldade de manter um ritmo constante de leitura, pois de início não é dado um objetivo claro a protagonista.
É uma história sobre perda, um mundo devastado onde não existe muita perspectiva de melhoria só existe esse mundo e o desafio diário se de sobreviver a ele por mais algum tempo e acho que essa falta de perspectiva que Lauren, a protagonista, vive acaba transbordando pra fora do livro, o que contribuiu de certa forma para a constante sensação de desconforto que eu acabei sentindo enquanto estava lendo. Quando eu pensava em ficção científica imaginava algo que me tirasse da realidade e ler sobre um mundo onde as dinâmicas têm uma relação tão próxima da nossa realidade atual acaba sendo pesado, mas acho que esse desconforto é bem proposital.
A forma como a história é narrada, cada dificuldade que os personagens enfrentam não vem acompanhada de descrições de forma fantásticas, não há batalhas épicas nem feitos heróicos que acabam se atrelando ao nosso imaginário quando pensamos em ficção, há apenas os acontecimentos. Pessoas morrem, pessoas matam, sofrem, precisam partir, abandonar coisas e tudo é narrado de uma forma crua, mas sem impressionismo. Afinal desastres vem de uma vez e ressoam de uma forma oca, eles acontecem e não tem muito o que se fazer sobre.
Na verdade o mundo fictício desse livro pode se resumir a isso, pessoas que tentam sobreviver em uma realidade onde não se resta muito a fazer a não ser sobreviver, não há uma profecia, uma quest de herói ou um destino final, uma vingança ou busca por justiça. E essa falta que antes me angustiava, acabou se dissipando, antes eu constantemente especulava qual seria o objetivo da protagonista, ela vai mudar esse mundo? Iniciar uma rebelião? Encontrar um grupo aliado a resistência? Mas não há nada disso.
E mesmo assim, aos poucos a história cria raízes, os personagens se tornam reais demais que chegam a ser palpáveis e em certo momento você começa a perceber que o foco não é resolver a situação atual do mundo desconcertado e sim a forma como as pessoas, mesmo na pior das situações, sobrevivem a ele e as dinâmicas relacionais que surgem dessa situação. Mais do que isso a crença que aos poucos se constrói, a perspectiva da Lauren sobre religião, Deus e mudança acaba envolvendo de um jeito que eu nunca esperei. Definitivamente não esperava uma história sobre crença, mas o que mais me surpreendeu foi eu ter gostado tanto dela.