Debora696 05/09/2021
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Escrito em 2018, após o impeachment de Dilma Roussef e antes da eleição de Jair Bolsonaro, A exemplar família de Itamar Halbmann é um retrato da elite que não se percebe como tal.
Um casal de juristas, a mulher professora universitária, o homem juiz de direito, moradores de bairro nobre em Curitiba, frequentadores de ambientes elegantes, gente que se dispõe a gastar seiscentos dólares por pessoa em uma festa de ano-novo no Panamá (!), encastelados em uma bolha e que, mesmo assim, se enxergam como defensores dos pobres por serem de esquerda e acreditarem no projeto do Partido dos Trabalhadores (PT).
A novela começa à Balzac, com bastantes descrições e a introdução de vários personagens. Um dos mais intrigantes é o Bruxo, uma espécie de mentor do casal Halbmann, um tipo abjeto, que se preocupa menos com o ajuntamento de bens materiais que com a busca pelo poder.
Também há tipos meio que folclóricos, como o famoso professor de cursinho com direito a rabinho de cavalo e tudo. E, claro, o vizinho anti-PT que bate panela no pronunciamento presidencial.
Aliás, o bate-panela é um dos momentos memoráveis da narrativa, a família Halbmann se desespera, se acua em seu luxuoso apartamento num primeiro instante, para depois partir para o ataque nas redes sociais. Outro momento memorável é quando Itamar recorda uma reunião pouco antes das eleições de 2002, um momento bem construído na narrativa, em que vemos a chamada "esquerda caviar" em seu ápice.
Entretanto, não os personagens são psicologicamente rasos, acredito que pela própria estrutura do gênero narrativo. Não sei se em alguns anos esses tipos sejam reconhecíveis por quem não viveu os debates políticos entre 2013 e 2018.
No meu ponto de vista, o fim poderia ser melhor trabalhado. É confuso. Itamar se torna juiz corregedor da Justiça do Trabalho em Brasília, vota uma última vez para presidente, senador e deputado federal, tem um AVC, fica seqüelado e morre. Seria um símbolo para o "fim da esquerda"? A esquerda está esclerosada e colapsada? Três anos depois, há dúvidas a esse respeito. Ganhar as eleições não significa ter o poder, como bem disse José Dirceu, e é isso que vemos com os sub-reptícios desmandos do STF, a falta de articulação entre os três poderes e as bravatas do atual presidente da República.
site: https://livrosetinta.medium.com/a-exemplar-fam%C3%ADlia-de-itamar-halbmann-2f33dc53e845