Suzana 07/04/2023
Diário de quem não sabe viver
Esse provavelmente foi o livro que mais demorei de terminar de ler, e essa demora também foi responsável pela experiência única que tive. Por um ano, eu me recolhi a esse livro como a um refúgio, e agora com o seu fim, sinto que deixa um buraco no meu coração e na minha cabeceira. Apesar dessa perda, agora tenho o prazer e o temor de olhar para trás e perceber que, por mais de um motivo, não sou a mesma pessoa que começou a lê-lo.
O Livro do Desassossego tem muitas reflexões que pela simples beleza e poesia do texto, nunca vou esquecer, mas diria que a maior dádiva que esse livro me deu não foi essa, mas simplesmente e finalmente me livrar da vergonha e sentimento de inadequação que sentia de parte de mim (ou de maior parte dela).
Assim como Bernardo Soares, o dono desse diário sem fatos, sou muito propensa ao ensimesmamento, a me ocupar muito de minhas próprias emoções, sempre dissecando minhas próprias reações e pensamentos, construindo planos inteiros que não acredito de verdade que irão se concretizar um dia.
A verdade é que Bernardo Soares não descarta a perspectiva negativa sobre esse “modo de viver”, mas traz uma ambivalência: tanto o olhar de quem se desiludiu de viver sonhos, de quem se enxerga um inapto a eles, mas também o sentimento de quem se encantou com o quotidiano, com a vida pequena, e suas sutilezas.
O acolhimento e consolo que Fernando Pessoa oferece a si mesmo e aos seus leitores é a noção de que no final das contas ninguém sabe exatamente como viver, e nem há exatamente uma maneira certa de fazê-lo. Nesse sentido, ele nivela a todos nós, seres humanos, como seres dormentes, inconscientes, uma vez que “ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do Destino”.