Wellington 01/02/2021
Kallocaína: 9,5
Imagine a maior ambição dos agentes de controle em 1984 – acessar e julgar pensamentos, impedindo o "gérmen da rebeldia" – possibilitada por uma droga; eis Kallocaína.
Há um Estado Mundial totalitário, um protagonista-engrenagem que tem lapsos de clareza a respeito de sua individualidade sendo esmagada, personagens psicologicamente riquíssimos, uma tomada de consciência cambaleante, as possíveis consequências e aspectos de uma sociedade assim... Etc.
Não há muito o que dizer a respeito da obra, além disso: é uma distopia perturbadora. Ao mesmo tempo, oferece a possibilidade de observar como um defensor de tal modelo pensaria e viveria; aos meus olhos, é o maior mérito da história. Também é mostrado o gigantesco conflito interno de alguém assim quando entra em contato com vivências diferentes.
Os monólogos da esposa, do chefe e de algumas cobaias são extraordinários, falam sobre o que é o sentido da vida para eles – cada um partindo do próprio lugar de fala.
Quando peguei a edição pela primeira vez, a achei simples quando comparada a outros projetos especiais. Durante os primeiros capítulos, mudei de ideia e senti que é perfeita para a história. Muitas partes se passam em ambientes subterrâneos, o protagonista é um químico, há vigilância constante e uma bela alusão a estrelas; dessa forma, tudo na edição condiz: o olho que lembra uma estrela (e brilha no escuro!), a cor laboratorial, a sensação do material... Não achei nenhum erro, de nenhum tipo.
A ausência de prefácio foi agradável, não sinto que essa obra precise de um. Já o posfácio foi extremamente enriquecedor. A autora, Karin Boye, era sueca; se desiludiu com a URSS stalinista, assistiu com desesperança a ascensão nazista, tinha depressão, fazia psicanálise, teve relacionamentos frustrados com homens e mulheres e cometeu suicídio um ano após o lançamento desta obra, aos 41 anos. Descreveu o processo de escrita de Kallocaína como "torturador" (sic), já que o esmagamento da individualidade humana lhe era aterrorizante.
Devorei o livro em poucos dias; fácil e fluido de ler. O único motivo pelo meu decréscimo de nota é a sensação desagradável e o gosto amargo que ficam depois – talvez justamente como a autora se sentia e o que a obra deveria evocar. Não é uma história feliz.
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