Weslei.Silva 13/02/2023
Uma saga com problemas que eu talvez de uma segunda chance
Eu acabei de ler o livro e ainda estou com alguns sentimentos conflitantes sobre ele. Mas para dar um contexto, recentemente estive focando em ler livros sobre folclore ou mais especificamente sobre a figura da Cuca e como ela é apresentada na literatura na América Latina, principalmente em fantasia e histórias infantojuvenil/middle-grade. Já achei uns três sobre o Cucuy dos Mexicanos, o Cuco como é conhecido na República Dominicana e quando descobri a saga Pindorama logo me toquei que talvez teria a personagem como antagonista e arriscando um pequeno spoiler, no final do livro a personagem realmente retornar e se apresenta como uma vilã para os próximos livros.
Mas aí é que vem meus problemas com o primeiro livro da saga. Eu deixo passar alguns detalhes como ter muita exposição ou até por passar muito rápido. Mas quando se fala de folclore, principalmente folclore "brasileiro" acaba se tendo uma grande problemática sobre a maneira que vemos e usamos a cultura indígena. E esse livro é uma aula sobre tudo que há de errado nessa folclorização.
A começo de conversa. Saci Perere é uma figura da cosmologia indígena. E os próprios indígenas já estão cansados de ter que repetir pra pessoas não indígenas pararem de relacionar isso a negritude, principalmente pq essa relação foi difundida principalmente pelo Monteiro Lobato e não é necessário explicar o tanto que tinha de errado nos livros dele (a própria versão da Cuca usada na saga Pindorama se assemelha mais a de Monteiro Lobato que ao Cuco/Cucuy dos outros povos latinos).
Mas esse livro vai além do Saci Perere, praticamente no primeiro terço do livro, tudo é cultura indígena. Não só as outras lendas como a Yara, boitatá Curupira e Caipora mas a maioria dos personagens possuem nomes indígenas, incluindo alguns deuses. E ao mesmo tempo esse livro não tem um único personagem indígena. Eles então completamente apagados enquanto a sua cultura (ou pelo menos a parte de sua cultura que foi folclorizada) estão presentes na obra. Inclusive palavras como índio, índia, tribo que são palavras que os indígenas já pediram para pararem de usar. Que não é tribo e sim aldeia e que não é índio e sim indígena ou originário.
E não o fato dos personagens serem negros não ajuda, inclusive só piora, já que todos eles são negros custava muito muito fazer os sacis e o banbuzal se assemelhar a um quilombo? Ou terem uma influência bantu e iorubá ao invés de pegar dos Guarani, principalmente pq eles já estão de saco cheio de não-indigenas desrespeitando os encantados, tipo nesse o Curupira literalmente bate no próprio filho. Com razão eles não gostam de dividir muito da cultura deles. Olha o tipo de coisa que não-indigenas escrevem.
E isso fica mais claro pq o autor traz sim "folclore brasileiro" e adiciona algo interessante. A loira do banheiro, a mula sem cabeça, o menino do pastoreio. Figuras que acabam tendo uma relevância mais pra depois da metade. Isso sim é nosso folclore, inclusive tenho que elogiar a maneira diferenciada que ele tratou o homem do saco por exemplo. Ou a presença de Arlequina e seus dois amantes. Quando ele se afasta mais da apropriação cultural ele traz algo interessante.
Eu entendo que sim nós crescemos ouvindo essas histórias indígenas e criamos uma conexão com elas. Mas os indígenas ainda estão aqui, é papel deles de contarem essas histórias principalmente pq a versão que ouvimos foi adulterada.
Enquanto lia sobre folclore mexicano acabei me deparando com a saga Cece Ríos por exemplo, ela assim como Pindorama mistura folclore do país (no caso mexicano) com uma influência indígena. Mas nunca se apropriando ou usando as figuras indígenas dos astecas. Todas as lendas de origem espanhola como Cucuy ou Chorona são nomeadas e relacionadas com seu conto original, mas quando se trata de algo mais ou asteca ela cria algo diferente, o Coyote que acompanha a Cece não é o Huehuecoyotl mas uma figura baseada nele, o que dá a autora a chance de explorar o personagem e criar um mundo próprio baseado nos povos mas sem desrespeitar eles.
Mas ainda assim eu estou disposto a ler o resto da saga, eu gostei dos personagens, ela tem potencial. E como falei o jeito que algumas lendas foram tratadas me deixou interessado. O primeiro livro já foi escrito a um tempo e a chance do autor ter se corrigido e adicionado indígenas, principalmente pq o segundo livro se passa em Parantins no norte do país, não tem como eles pelo menos não encontrarem indígenas por lá. Mas talvez eu leia mais algumas coisas antes.