MatheusPetris 03/10/2021
“Sou um homem de meia-idade,
mas este não é o único risco
que corro.”
– Jamil Snege (Ave púnica)
Cinismo ou Ceticismo? Talvez um entre. Ou um cruzamento. A crença na descrença diz melhor (e mais didaticamente). Essa postura, esse olhar ao mundo, é todo o fundamento narrativo, o ponto de partida e o de chegada. E também o de crítica. Aguda, diga-se de passagem.
Poderíamos estar falando do próprio Jamil? O Jamil romancista de “Como se eu fiz por si mesmo”, ou o Jamil cronista de “Como tornar-se invisível em Curitiba”, poderíamos, mas não estamos. Ou estamos? A escolha é sua. Não quero enveredar neste ensaio para a discussão entre autor-personagem, então vamos a quem realmente importa: a personagem.
O típico pequeno-burguês, a classe média alta que alcançou aquilo que quis, contudo, ao fim, não chegou a lugar algum. Um problema da classe? Em hipótese alguma, um problema intrínseco à condição humana – segundo os olhos de tal personagem. A ironia, e o sarcasmo, convém aos escritos de Jamil e são intrínsecos a essa figura tão desacreditada no amanhã. Se estiver sujo de lama, mergulhará na próxima poça de lama.
Outro ponto comum de convergência com a obra literária de Jamil: afinal, de que serve a intelectualidade? Para essa personagem, seu conhecimento é um ornamento. Mas não um ornamento a ser ostentado, muito menos guardado no fundo do baú; é algo a ser preservado, como se através dele, constatasse a inutilidade de suas vãs tentativas em ser esse “alguém”.
É, a tão debochada crônica “Cuidado, seu filho pode ser um intelectual”, sintetiza e guarda algumas respostas. O estudo, a leitura, a literatura, para nada servem. Que assim seja. Quando tudo falhou, nos resta bebericar a cerveja mais barata junto a falha – esse ser indestrutível, inquebrantável –, verbalizando nossa tola e pretensiosa erudição.