Carol Nery 04/02/2019“Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos”.
O título do romance de Demetrios não nos deixa qualquer sombra de dúvidas: embarcaremos em uma relação tóxica e conflituosa. De uma maneira mais genérica, acredito que essa história seja importante no nível de indicar a jovens mulheres como elas podem se enredar (sem perceber) em meio a um relacionamento abusivo e perigoso. Porém, é necessário discernir se você está em um bom momento para esse tipo de leitura, que trata de assuntos como: uma forte codependência, suicídio, chantagem emocional e tratamento familiar autoritário, negligente e excessivo por parte dos pais.
"Te entreguei meu coração em uma bandeja de prata, e você o devorou, pedacinho por pedacinho".
Logo nos primeiros parágrafos iremos conhecer Grace, uma jovem de 17 anos que mora em uma cidade pequena da Califórnia. Ela idealiza se tornar uma diretora de teatro, e conhecer o mundo. Seus principais sonhos se dividem entre Nova Iorque e Paris. Ah, e ela é apaixonada por Gavin. Com uma escrita bem envolvente (é verdade!), a autora foi nos inserindo nesse mundo. Tanto Grace, quanto Demetrios nos fizeram ir compreendendo a intensidade com que essa adolescente se permite apaixonar – ela faz disso sua tábua de salvação.
Em contrapartida, a protagonista narra esse livro para “ele”, aquele garoto perfeito do último ano do ensino médio, “rockstar”, que todos conhecem e querem estar perto. Ao mesmo tempo em que nos vemos conhecendo mais a respeito de Grace e desse sentimento por aquele rapaz inalcançável, já temos algumas pinceladas de como foi o fim dessa história, pois ela não conta tudo isso de uma forma nem um pouco sutil. Explicita seus sentimentos durante o namoro e relata seu drama de forma bem sincera. Afinal de contas, ela está desabafando a Gavin o que esse relacionamento fez com sua vida, com suas escolhas, com seu futuro e com seu psicológico.
Então fica o alerta nessa primeira parte do livro! Se você é alguém que pode ter gatilhos disparados a partir desse tipo de leitura, segure a onda. Pode não ser o momento, ou pode não ser o tipo de livro para você. Psicologicamente falando, o tipo de narração de Grace é muito imersivo. A gente sente junto com ela cada momento da teia que foi tecida envolta dela por Gavin, e também sofremos em ler a forma que sua mãe e seu padrasto a humilham, castigam, e “torturam”. Essa moça acaba se mostrando bem forte por ter conseguido se manter firme por tanto tempo.
“Mas eu estou cansada de ser uma donzela em perigo. Na minha próxima vida, vou ser uma rainha guerreira ninja fodona. E vou acabar com a raça de bostinhas como você”.
Então Romance Tóxico se torna um livro interessante para pessoas que já se viu em apuros em um relacionamento amoroso onde a ambivalência de amor e ódio anda de mãos dadas. Mas, se você nunca teve um namorado, o relato de Grace é vantajoso para ser criado um tipo de alerta vermelho em como um relacionamento abusivo pode começar de forma tranquila e envolvente, e se tornar um pesadelo constante fora de seus piores sonhos.
Grace foi aquela garota que se achava simples demais para que alguém como Gavin se interessasse genuinamente por ela, ao ponto de terem um relacionamento - já estava apaixonada por ele há 3 anos. Ela foi muito corajosa em lhe escrever algumas palavras de conforto após um término de namoro e tentativa de suicídio. Ele estava arrasado, e se reergueu através de suas poucas linhas traçadas em um pedaço de papel.
Para Grace esse retorno de Gavin de uma quase morte foi a ebulição de tudo que ela jamais sentiu. Ele agora repara nela, se interessa por ela, se apaixonou por ela. Gavin faz de Grace sua musa inspiradora. E mesmo que os pais dele estivessem bastante preocupados, e que não quisessem que acontecesse qualquer tipo de relacionamento tão cedo, eles não conseguem resistir a força dessa atração. Os pais de Gavin passam a gostar de Grace e de como eles dois se fazem bem. Todo o apoio que ela não tem em sua casa com sua própria mãe, agora está recebendo dos pais compreensivos (e um pouco permissíveis) de seu namorado.
Primeiro a gente fica bastante frustrados com a falta de reação de Grace perante uma mãe obsessiva por limpeza. O grau dessa compulsão é totalmente degradante à garota. Pois a mãe vê poeira, sujeira e fios de cabelos onde ninguém mais vê. E assim a filha é punida, é humilhada, fica de castigo e perde algum dos seus poucos privilégios. Acredito que esse tipo de cenário insustentável dentro de sua própria casa fez com que ela se jogasse de corpo em alma em seu romance ideal.
O namoro se intensifica de tal forma onde o garoto sente liberdade em expressar como acha sua amada vazia, superficial, não profunda, rasa. Esse tipo de declaração não só não saiu da mente de Grace por um bom tempo, como foi o pontapé inicial das “feridas” na alma da garota. O problema é que depois vinham as declarações amorosas e pedidos de desculpa. E ela sempre perdoa! Ela sempre busca superar, e passar por cima de tudo. Eles são perfeitos juntos. Não há nada que possa fazer com que Grace desista desse romance mágico e que era praticamente improvável. Nem quando suas duas melhores amigas a alertam, nem quando sua irmã mais velha se desentende com ele pela forma como ele a trata...
“Abaixo mais a cabeça e me transformo na Filha Humilhada. Ela é a prima mais cansada da Fêmea Contida e Submissa. Se estivéssemos em um musical, a Filha Humilhada ia se virar para o público para cantar algo como “Eu tive um sonho”, de Os Miseráveis. Não sobraria um olho sem lágrimas na plateia”.
O tempo passa, e o envolvimento de nossos protagonistas está tão intenso, e tão dependente um do outro, que os tratos e combinações passam a ser feitos. Gavin não quer que ela toque em outros meninos. Ele não quer que ela fique sozinha com outro rapaz em qualquer situação. E ele, por sua vez, promete faze o mesmo por ela – o que para ela de início parece legal, pois não quer imaginar seu namorado no primeiro ano de faculdade desfilando com meninas mais velhas (e interessantes) que ela. Mas, quando ele comunica que não quer que ela trabalhe mais na biscoiteira do shopping, ou que vá a sua própria festa de formatura do ensino médio, Grace até tenta romper as garras desse amor tóxico.
Os castigos sem e com motivos que os pais da Grace a impõe começam a atrapalhar o relacionamento dos dois, pois seu padrasto não entende o momento que os dois vivem – na verdade ele não faz questão de entender nada. Ela passa a não poder se encontrar com o rapaz sempre, e ela também não pode ir às apresentações da banda dele. O que a leva a fugir durante algumas noites para admirar seu namorado perfeito tocando guitarra e cantando músicas lindas e apaixonadas (e muito possessivas) que ele compõe só para ela. A cada dia que se passa percebemos como Gavin enreda Grace em um emaranhando de fios que a fazem desistir de tudo o que ela quer, das coisas que sempre sonhou, das promessas feitas à suas amigas mais íntimas. Ele se torna o centro de tudo, o motivo de tudo.
“É assim que o pior ano da minha vida começa: em um Mustang com os vidros embaçados e um garoto lindo chorando”.
Enfim, chegamos ao ponto de que não só olhos externos conseguem enxergar o quão prejudicial está sendo esse namoro. Por “quebrar” as regras impostas por Gavin ele a chama repetidamente de “puta”, de “vadia”. Mas, “me perdoe, eu te amo, não posso viver sem você”. Esse é o momento onde um sonho passa a se tornar um pesadelo escabroso. A chantagem emocional é tanta, que essa jovem adolescente que hoje vivem em função de seu relacionamento, sente necessidade de não estar com seu namorado. Ela cogita terminar o namoro. Contanto, acaba se tornando responsável e guardiã pela vida de Gavin, pois suas ameaças são cruéis, são esmagadoras.
Por ser classificado como um livro do gênero Yong Adult eu acredito que ele precisa ser apreciado com moderação. Esse alerta para disparo de possíveis gatilhos tem de ser ressaltado – é uma obrigação minha aqui. Você pode ter vivido um momento parecido, ou você pode até ser o lado controlador de um relacionamento. E as atitudes hipotéticas que a autora nos conta em forma de um romance publicado e bastante aclamado no exterior (vide resenhas e pontuação no Goodreads), são muito próximas da vida real. Ao final do livro temos alguns endereços e contatos com instituições, orientações e diretrizes que podem oferecer ajuda para mulheres que se sintam ameaçadas e sem apoio.
A lição que fica dessa história extremamente contemporânea e honesta é que devemos estar sempre atentos ao quão saudável é o relacionamento que estou vivendo. Trata também de reforçar a necessidade de se libertar desse tipo de “amor”. Se você é constantemente diminuída, agredida verbalmente, fisicamente ou psicologicamente, dê um basta nessa situação.
Caso você sinta que não está sendo bem tratada, se perceber que esse amor se tornou algo doentio e nocivo, tão somente dê um jeito de dar o fora dessa furada! E se não tiver condições emocionais para tomar esse passo sozinha, você pode – e deve – procurar ajuda. Não perca “quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos” de sua vida. Não perca nem mais um segundo. #EscolhaVocê #ChooseYou
“Talvez o único modo de realmente saber que se ama alguém é verificar se essa pessoa é capa de acabar com você em uma única frase”.
Seguinte é o selo jovem da Editora Companhia das Letras, e nos trouxe em 2018 uma edição muito bonita de Romance Tóxico. A capa é branca com a imagem de um lindo arranjo de flores que está desvanecendo. Uma ótima analogia a uma linda história de amor que está apodrecendo. Fonte confortável às vistas e papel amarelado que sempre agrada a maioria dos leitores faz com que as 416 páginas passem sem problemas. Um olharzinho técnico com mais carinho para a revisão seria interessante.
Heather Demetrios é uma autora aclamada pela crítica e tem 6 romances publicados, sendo Romance Tóxico o seu primeiro livro publicado por aqui. Ela escreve gêneros Jovem Adulto, Contemporâneo e Fantasia. É casada com o também escritor Zach Fehst. Ama viajar pelo mundo e pela escrita.
Mais sobre a autora em seu website: http://www.heatherdemetrios.com/
site:
http://www.coisasdemineira.com/2019/01/resenha-romance-toxico-heather-demetrios.html