Juh Lira 14/01/2012Canaã: Paraíso?Adiei por motivos de tempo e disposição a leitura do referido livro.
Não mais, finalmente cedi a oportunidade a ele – o coitado estava esperando há meses a vez – e não me arrependi.
Confesso que é aterrador de primeiro momento o contato com a linguagem extremamente lírica de Graça Aranha. Logo nos primeiros capítulos, percebemos o quão o autor se empenha em descrever a paisagem da colônia(s) alemã residida no Espírito Santo, onde o romance se desenrola, com a aparição de dois imigrantes alemães: Milkau e Lentz,que se conhece por acaso.
É fácil se apegar a visão de mundo de Milkau (que por incrível que pareça, em dados tópicos correspondem a meu ver). Generoso e de um coração bondoso, no decorrer da narrativa, particularmente, o encanto é imediato. Lentz, por outro lado, é mais pessimista e irônico.
O romance seria classificado facilmente como correspondente da corrente literária do Realismo, porém é muito vaga esse simples encaixe. O Modernismo da obra está na fácil percepção da crítica do autor a sociedade brasileira, misturada com as líricas e realistas descrições do ambiente – este praticamente como se tivesse vida própria – sendo a Canaã dos imigrantes. Era assim que eles no início do século passado enxergavam o Brasil, como a “terra prometida”, um paraíso para recomeçar.
No entanto, qualquer tipo de sociedade humana, é humana. Isso é exemplificado na personagem Maria, uma imigrante alemã que trabalhava na casa de umas das famílias da colônia, mas acaba por cair em grande desgraça ao ficar grávida do herdeiro dos mesmos. Aqui a trama ganha um novo rumo. Milkau que a conheceu numa festa passa a se compadecer da amiga e tenta ajudá-la.
A trama inteira do romance é apenas um pano de fundo para as críticas tão bem acentuadas da cultura e da sociedade brasileira. Já naquela época, o autor deixa claro seja através dos personagens, seja pela própria narração, a decadência que o país se encontrava – governo instável, invasão estrangeira, miséria, etc. – além de que o Brasil ainda não possuía a identidade nacional que possui hoje. A nossa cultura foi fortemente influenciada pela cultura europeia e mais tarde, a norte-americana, mas desta fusão encontramos a identidade que os intelectuais do século passado tanto almejavam (vide Semana de Arte Moderna. Graça Aranha foi um dos contribuintes no evento). Ainda sim, os próprios brasileiros não valorizam a cultura de berço.
A leitura desse romance veio em boa hora. Eu meditava sobre esse assunto com meus botões enquanto observava a cultura americana de agora deturpando a nossa. Brasileiros querendo ser o que não são; imitando de forma infantil aquilo que não nos corresponde.
Vou ser mais direta: livros de autores nacionais tentando imitar os livros de autores americanos. Não estou generalizando, nem nada disso, mas vamos ser francos: a maioria dos livros atuais lançados por autores que se dizem brasileiros, só é uma imitação barata e mal feita de livros sobrenaturais consagrados lá fora. Como uma corrente literária em alta, a Ficção Sobrenatural que começou nos EUA e companhia, chega aqui também, mas o correto é adaptar como aconteceu com as outras correntes literárias (Modernismo, Romantismo, etc) o que infelizmente não está acontecendo!
E é exatamente isso que o autor critica juntamente com a tenebrosa ordem social. Usei o exemplo dos romances sobrenaturais para mostrar que as coisas não mudaram em nada quase um século depois. A cultura brasileira existe, mas os próprios não a valorizam, entrando numa verdadeira decadência e mediocridade. Não quero dizer para você parar de livros estrangeiros ou parar de ouvir cantores internacionais. Não é nada disso. O que eu digo é: valorizar a nossa cultura também, e é a nossa cultura de fato, não aquilo que o senso comum diz ser cultura. Entendem o que eu quero dizer?
Desviando da minha própria crítica embasada na crítica do livro, a leitura deste, não considero fácil. Sim, o livro é curto, mas exige do leitor um bom vocabulário, paciência e reflexão. Em algumas passagens a leitura era por ora maçante devido às minuciosas descrições e os extensos diálogos. Porém é válido o relacionamento que ia crescendo entre Milkau e Maria que comandam os acontecimentos até o final. Em se tratando do desfecho... Fiquei surpresa, pois eu não esperava que o livro acabasse daquela forma, o que deixa o leitor intrigado.
Graça Aranha nos deixa um belo ensinamento na obra “Canaã”. Quem faz da vida um paraíso ou o inferno somos nós mesmos. Nossa ambição ou nossa virtude pode transformar nossa morada no mundo como uma Canaã ou um Purgatório.
A obra trata de tantos assuntos, que daria para escrever uma tese ou daria ótimos debates. Por ora, limito-me até aqui, indicando “Canaã”, caso o caro leitor se sinta propenso a uma leitura filosófica.
Encerro com um quote retirado da obra, que resume por demais toda essa resenha:
“[...] O aspecto da sociedade brasileira é uma singular fisionomia de decrepitude e infantilidade. A decadência aqui é um misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo, e do esgotamento das raças acabadas. Há uma confusão geral. As correntes da imoralidade vagueiam sobre a sociedade e não encontram resistência em nenhuma instituição. Uma tal nação está preparada para receber o pior dos males que pode cair sobre o mundo: a geração dos governos arbitrários e despóticos. Se a sociedade é uma obra de sugestão, que se pode esperar dos sentimentos, da idealização das massas incultas, quando a imaginação delas é deslumbrada pelo espetáculo da mais desbragada perversão dos governantes? [...]”
Canaã, página 191.
PS: Para quem não está muito acostumado a ler romances desse grau, uma dica: leia com calma e devagar. Se não entendeu alguma passagem, volte e leia novamente quantas vezes for necessário. Terminada a leitura, pare e reflita sobre o que leu, então deixe para continuar só no dia seguinte. Garanto que esse exercício é muito prazeroso e quando você terminar vai sentir satisfeito e orgulhoso do esforço. =D
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