brito71 06/06/2024
Epifania poética TolstóiAna
Ana Karênina perpassa alguns caminhos protagonistas durante seu desenrolar. primeiro, desemboca a partir de um cotidiano interrompido. algo de muito latente escapa da rotina. o espaço comum de vida dos indivíduos retratados é tomado por qualquer coisa de estranha. o inesperado adentra as casas por meios diversos. um novo relacionamento inimaginável, o rompimento súbito de uma corda outrora tão fixa. nesse sentido, é particularmente intrigante observar o papel das personagens femininas na trama. enquanto todos esses eventos assolam a vida dos homens, suas existências continuam da mesma maneira. todas trilham o mesmo caminho que sua anterior. bailes, amores, casamento, filhos. na verdade, dada a época em que a obra foi concebida e tendo como autor alguém distante dessa realidade, achei incrivelmente rica e sensível a maneira que Tolstói escolheu apresentar as histórias das mulheres. cada uma tem sua singularidade, que no entanto necessita ser equilibrada com uma vida já pré-concebida graças ao seu sexo. em seguida, e finalmente, o desfecho inusitado da trama nas últimas páginas é verdadeiramente chocante. apesar de notarmos claramente o caminho que a relação de Ana e Vronski tomam conforme o tempo passa, a surpresa não deixa de vir. o autor nos envolve tanto na percepção da realidade de ambos, e apresenta tão claramente a dificuldade social em que estão inseridos, que acabamos por entrar naquilo e seguir a mesma concepção de tudo deles. me impressionou, igualmente, o existencialismo latente que permeia cada diálogo e cada pensamento. uma epifania rica em poesia que, não fosse a clareza intensa, seria como a de Clarice Lispector, o que de maneira alguma a torna menos encantadora.