Ari Phanie 25/11/2019Masterpiece e criador#leituracompartilhada
Apesar de Anna Kariênina ser um clássico mundialmente conhecido; uma história de amor bastante reproduzida no cinema desde 1935, eu passei incólume pelo spoiler do final. Uma das minhas melhores amigas com quem estive compartilhando essa leitura ficou admirada por eu não saber esse fato da trama. Na realidade, eu sabia muitíssimo pouco sobre história e autor. Então, toda a experiência que foi ler esse cristal da literatura foi surpreendente e intensa exatamente como deveria ser.
Pois bem, o começo já nos dá um elemento que permeia muito a narrativa: uma crise no casamento. Dolly e Stiepan tem uma relação que já viu dias melhores e que está por um fio. Desde o início fica claro que eles não se amam mais e estariam melhores, separados, mas o casamento era um instituição considerada sagrada e uma conveniência social, então Stiepan chama sua irmã Anna Kariênina para apaziguar sua zangada e totalmente certa, esposa. Apesar de mencionada logo no comecinho, Anna só vai aparecer 60 e poucas páginas depois. Liévin aparece antes, e inicialmente você não sabe, mas ele e Anna são os protagonistas da história, apesar do que o título pode sugerir. Eu gostei do Liévin no começo. Ele se mostra romântico e um tanto tacirtuno, e me lembrou um pouco o meu amado Mr. Darcy. Mas infelizmente esse sentimento não perdurou.
Assim que Anna chega a Moscou ela conhece o bonito e atraente Vrónski e rola logo um clima entre eles. Mas wait, a mulher tá ali pra salvar um casamento, não pra desgraçar o próprio, certo? CERTO? Vrónski para além de bonito parece interessante no começo, mas supostamente ele estaria para noivar com Kitty, uma doce mocinha ingênua. No entanto, rola um baile (eu amei TODA essa narrativa do baile!) e depois desse evento tudo muda. Quando eu cheguei nessa parte, eu percebi duas coisas: a primeira é que eu já estava muito encantada com a história, e a segunda é que o Tólstoi me aproximou dos personagens com o seu monólogo interior, me transportando à mente deles para entender o que estavam sentindo; suas motivações, desejos e angústias. Ele escreveu personagens humanos, com os quais em algum momento você vai se identificar.
Eu sabia que essa história se tratava de um romance malfadado, só que eu imaginei que era tipo um amor impossível, bem à lá Romeu e Julieta, com os apaixonados sendo afastados por normais sociais relacionados ao casamento dela. Eu nunquinha imaginei que o Tólstoi iria escrever o ponto de vista de uma mulher adúltera. Isso me deixou super entusiasmada, apesar de um pouco preocupada com a possibilidade de uma personagem estereotipada. Mas essa preocupação sumiu rápido quando a narrativa me permitiu enxergar a Anna em suas multi facetas. E a Anna tem muitas particularidades. Ela é intensa, egoísta, impetuosa, e eu me identifico com tudo isso. Mas ela também pode ser egocêntrica, indiferente e até cruel, o que não me fez admirar a personagem completamente. O que admirei nela é o quanto é CORAJOSA. E corajosa em caps lock mesmo. Enfrentou o marido, as convenções sociais, toda a crítica e julgamento para ficar com o homem que amava. Claro, era um homem bem escrotinho, bem radioativo, claramente não valia o trabalho, mas uma mulher apaixonada enfia o bom senso numa caixa, fecha com chave e joga no mar. Já tive lá, não julgo. Então, Anna é a brasa da história com toda a sua paixão e ímpeto. E já que temos outro protagonista, ele representa o oposto da força feminina. Liévin é racional, prático, cauteloso, frio, e tinha tudo pra ser um dos meus favoritos, mas em muitos capítulos o personagem se mostra sempre insatisfeito com alguma coisa, o que torna ele amargo e austero. E o Tolstói piorou a imagem dele pra mim ao colocar nos capítulos todas aquelas coisas chatas sobre caçada, política e agricultura. Só gostei da relação dele com os trabalhadores e dos questionamentos religiosos. O resto passou por mim sem fazer diferença. Pra mim, o personagem foi apenas uma forma do Tolstói mostrar: "Olhem, crianças, esse é o tipo certo. A mocinha ali tá errada do começo já, só podia dar no que deu." Sorry leitores que veneram o autor, mas ele criticou tanto o moralismo da alta sociedade, e foi moralista no final. Mas eu não tiro o mérito do tamanho da história que ele criou. Eu me apeguei aos personagens sem perceber, e mesmo alguns dos secundários me marcaram com alguma coisa, como a Dária com suas reflexões sobre maternidade e casamento.
O que acho muitíssimo interessante é como a história de vida do Tolstói permeou essa obra. Como eu disse, eu pouco conhecia sobre o autor. Mas a apresentação do prefácio e uma pesquisa rápida me levaram a entender mais o autor, e perceber como seu eu perpassa claramente pela obra. A própria dona da história foi inspirada em uma mulher real, ou melhor, a inspiração estava no seu último ato de desespero que provavelmente marcou o autor de muitas formas. Liévin é uma representação do próprio Tolstói, e também o é suas indagações acerca da religião. O autor pode ter tentando não colocar muito de si na história, mas colocou, e isso não é algo ruim. A arte pode e deve refletir o artista, se não que graça teria?
Enfim, esse foi um daqueles livros singulares que eu consigo enxergar sobressaltado na minha linha de experiência literária. Posso não ter gostado do final, mas ele teve a devida importância pra mim.