Pandora 15/04/2018Mais uma vez eu profiro esta frase: “como é difícil escrever sobre um livro que a gente ama, sobre uma autora da qual a gente quer conhecer tudo!” Gosto de livro que incomoda, que cutuca, mas que tem essa narrativa que vai e vem, que mostra, desconversa e depois volta a tocar no assunto.
A história é contada por Maria Teresa, que está na estrada com o namorado rumo a Miracema, no interior do Rio de Janeiro, em virtude da morte do pai, ocorrida há uma semana. Ela quer contar a ele que esteve lá na sexta passada, mas não sabe como dizê-lo. Durante toda a narrativa a protagonista viaja em seus devaneios sobre o passado e o presente, incluindo histórias paralelas e uma obsessão com o quadro “Las meninas (El cuadro de la familia)”, de Velázquez. Aliás, o quadro é um detalhe essencial no livro.
Elvira dá muito mais importância ao elemento humano do que ao fato em si; são as angústias da personagem que norteiam a narrativa. “Para Maria Teresa (...) seis em ponto é a hora de começar a mentir para si mesma, para os outros, para o mundo.”
Lendo Elvira Vigna me veio Lionel Shriver, porque enquanto eu lia “Precisamos falar sobre Kevin” eu percebia a grande capacidade intelectual daquela autora, sua crítica social, os personagens tão humanos e imperfeitos; e me lembrei também de Altair Martins, que é cru, que incomoda, que instiga, que coloca pra pensar. Elvira Vigna é tudo isso. Como escreveu Camila Von Holdefer: “Dentro da literatura brasileira, não há quem se iguale ou se aproxime dela.”
Aliás, após ler “Às seis em ponto” fui atrás de textos sobre a autora, que eu sabia ter falecido recentemente (em 2017, de câncer de mama) e que teria deixado em seu site a íntegra de textos seus não mais disponíveis comercialmente. Infelizmente, a página está fora do ar, não sei se definitivamente. Mas de tudo o que li, uma entrevista de Elvira para Rogério Pereira, autor de “Na escuridão, amanhã” (este também na minha estante), quando a autora fala sobre as semelhanças de escrever para crianças ou adultos, resume o que eu penso sobre literatura: “(...) em ambos os casos, há coisas muito importantes a serem ditas. E não é como escovar bem os dentes, ou descrever que lindas são as florzinhas. Não. São as angústias, as incertezas, a possibilidade de afeto que persiste malogrando tudo. Então, livro para criança ou para adulto, tanto faz, literatura ou é boa ou não é. A boa fala das coisas importantes, para que quem a leia também possa “falar”. (...) O leitor precisa ter uma grande presença no livro, não importa que tamanho ele tenha na vida real. E para que isso aconteça, não é pescar um assunto em um catálogo, mas falar do que é importante para você, o escritor. Aí você garante a presença do leitor, ao oferecer a sua.”
Arthur Soffiati, em seu texto para a Folha1, diz o seguinte: “Cristóvão Tezza, também grande ficcionista da atualidade, entende que o romance não para em pé sem uma boa trama. Até seria capaz de sustentar que a trama pode ser frágil. Creio que a forma de narrar é mais significativa.” Para mim, uma boa narrativa pode transformar um tema banal e cotidiano numa preciosidade, numa reflexão sem limites. Assim é o texto de Elvira Vigna.
Os livros de Elvira descritos por ela mesma: “meus livros são sobre vazio, solidão e morte. E são engraçadíssimos.”
Quero ler tudo o que ela escreveu. Pareço apaixonada ou não?