Mauricio (Vespeiro) 25/01/2018Quando as pérolas dão congestão no porco.“Uma Confraria de Tolos”, publicado em 1980, nasceu sob a sombra de uma tragédia. Foi a única obra literária da vida de John Kennedy Toole. Rejeitado por diversas vezes na sua tentativa de publicá-la, Toole caiu em depressão, vindo a se suicidar em 1969, aos 32 anos. Sua mãe, Thelma, encontrou os manuscritos e, após muita insistência, houve quem finalmente desse atenção. A publicação veio em 1980 e o livro acabou sendo honrado postumamente com o Prêmio Pulitzer de Ficção de 1981.
Nele encontramos a história de Ignatius J. Reilly, um homem de 30 anos que vive às custas da mãe na periferia de New Orleans do início dos anos 60. Dedicado aluno, na universidade (onde mais seria?) foi imbuindo seu espírito de ideais revolucionários e de uma mirabolante filosofia anticapitalista. Dotado de toda uma empolgante teoria, Ignatius sentiu-se capaz de mudar o mundo. Vejo-o como um porco que teve congestão com as pérolas que ingeriu. E o que fez? Escondeu-se em seu apertado e sujo quarto (onde raramente deixava a mãe entrar) e passou a escrever conspirações psicóticas em caderninhos de anotações. (Algo como os textões ilusórios que alguns frustrados escrevem hoje no Facebook.) Glutão e preguiçoso, Ignatius tornou-se o gordo esquisitão avesso ao trabalho e ao “sistema”. (Uma surrada camisa vermelha com a estampa de Che Guevara deixando a borda flácida da barriga aparecendo poderia muito bem completar o visual.)
Uma fatalidade leva sua pobre mãe a contrair uma dívida, obrigando Ignatius a procurar emprego. Desde então, a vida desgraçada dele (e de todos com quem se envolve) assume contornos caóticos e apocalípticos. O vagabundo e egocêntrico enxerga em tudo a oportunidade de colocar em prática sua ideologia. É um cidadão de quem todos querem distância. Conhece alguém assim?
Há quem conclua que este conjunto de elementos garante à obra o status de cult. Muitos a consideram hilariante. Provavelmente eu esteja errado. Com certeza sou voz destoante. O livro não é ruim e uma leitura atenta revela a riqueza de uma crítica social que dá amplitude temporal ao texto, deixando-o atual até os dias de hoje. Toole definitivamente estava além de sua época. Porém, pastelão escrito não é um estilo que me faz rir. Possivelmente um filme feito com roteiro baseado nesta obra resultasse em algo divertido. Mas a leitura não foi feita com o decantado prazer de outrem. Reconheço e admiro a criatividade que transborda das páginas de “Uma Confraria de Tolos”, mas não me empolgo. Em geral, é um livro chato. Salvo as cartas fantasiosas que Ignatius escreve em seus diários, pouca graça encontrei no restante da história, inclusive nos demais personagens. Sem maldade, apenas a título de constatação, traçando paralelos de fracasso entre o autor e seu personagem, vejo contornos de uma autobiografia ficcional.
A edição brasileira da BestBolso é um terror. E certamente contribuiu para uma má experiência na leitura. A tradução de Alice Xavier é pobre e indolente; e os incontáveis erros de digitação fazem-me concluir que algum “revisor” passou a perna na editora.
Curiosidades: Ignatius J. Reilly influenciou o ator mexicano Roberto Bolaños a criar o seu personagem Chavez. Há uma estátua de bronze de Ignatius em New Orleans. É uma personalidade fictícia da cidade.
Nota do livro: 6,23 (3 estrelas).