Brena 15/04/2019Resenha p/ o Crônicas FantásticasO Livro das Raízes é o segundo livro da saga Araruama. No primeiro livro, Araruama – O Livro das Sementes, somos apresentados a Deuses como Monâ, mãe do tempo e de todas as coisas, e a suas criações: Ibi (mãe dos homens, é o mundo em que se passa a história), Aram (pai do calor e do dia), Airequecê (mãe do frio e da noite). Da relação entre eles surgem outros espíritos. Essas entidades moldam a cultura e a fé de cada uma das sete tribos indígenas que compõe a Ibi.
“Esta é uma história de quando o tempo ainda era cru. Um tempo em que as grandes araras coloriam o firmamento. Um tempo em que o fantástico ainda corria pela mata verde.”
A partir de seus filhos, Monâ criou as Majé. Elas podem ver a costura do tempo e são responsáveis pelo ritual do aman paba. Esse ritual consiste em revelar o tempo que Monâ deu aos homens que nascem na Ibi, nele se descobre quantos Motirõ (espécie de anos de vida) a pessoa terá. O aman paba dita a hierarquia e o papel da pessoa na comunidade – enquanto os capanema (até 12 Motirõ) são rejeitados e não são dignos de aprendizados, os guariní (80 a 119 Motirõ) são sábios, guerreiros ou caçadores.
Para se tornar guariní, é preciso sobreviver ao ritual de Turunã, até esse momento os aprendizes são chamados de mitanguariní. E é até a ocasião do Turunã que o primeiro livro se enquadra. Vamos conhecer os personagens importantes para a saga Araruama, pois a ameaça de uma nova era ronda a Ibi – Araruama é o futuro. Enquanto eles atravessam o verde de Cajaty a fim de receber o Eçapira (espécie de presente) da Majé Ceci, conflitos entre as tribos se formam, anhangüeras atacam. Como os futuros guariní vão lidar com futuro reservado a eles?
Chegamos ao segundo volume, O Livro das Raízes, onde o heróis terão que mostrar tudo que aprenderam em seus anos de sementes. Dois grupos de mitanguariní se destacam no Turunã. Izel, a guarapyrupã (matadora de guarás) destemida e líder de um dos grupos, terá que lidar com Kaluanã, homem destinado a ser payni (chefe de todos os homens) por seus incontáveis amanhãs, além de outras provações que colocarão sua liderança em xeque. No outro grupo, contratempos surgem, e Apoema se vê forçada a tomar a posição de líder, coisa que ela nunca quis, ainda mais tendo que lidar com seus sonhos, que revelam os amanhãs. Somos apresentados a novos guerreiros que fazem parte desses grupos, e surgem também dois irmãos de Otinga que são peças-chaves para o futuro da Ibi. Um desses irmãos encontra uma entidade nova, que destoa do Baquara do primeiro livro e que transformará sua vida.
A narrativa de Araruama é feita através de vário pontos de vista, fórmula acertada para nos fazer refletir junto aos personagens todos os dilemas que a trama apresenta. Este segundo livro é mais enérgico, muita ação e muitos encontros com criaturas fantásticas durante o Turunã e fora dele. Os mitanguarinís partiram de Mboitatikal, mas todo o mistério que dará fim a uma era está lá.
Enquanto no primeiro livro o que me encantou foi a beleza das relações entre Obiru e Concha, Apoema e Ankangatu, Caturama e Kaluanã, neste segundo livro o destaque fica para a poesia do autor para descrever cenas tristes. O Ian Fraser continua a descrever o ambiente físico de forma vaga, deixando abertura para nossa imaginação, e aposta suas moedas na evolução dos personagens e nas reações aos conflitos.
“Teu nome os homens irão lembrar,
A Ibi Além te envolve com suspiros de honra,
Sua luz conhecerá outras formas de brilhar,
Tua cor se espalhará pela terra
e sua voz será carregada pelos ventos.
As lágrimas vermelhas de sua vida
banharão os rios que correm em sua tribo.
A Ibi Além canta e dança por sua coragem
Monâ sorri ao lembrar de seu nome
A vida é um presente dado à morte,
que o guarda para sempre.”
O leitor brasileiro de fantasia está acostumado a ler sobre os mitos de diversas regiões, como os mitos gregos, nórdicos, celtas, etc. Araruama vem para modificar esse cenário e dar um novo gás à mitologia brasileira, para reimaginar a história daqueles que são realmente os donos desta terra que usurpamos, para nos fazer refletir a força de nossa luz, sonhar com a imensidão do verde e com os perigos e as belezas que animais fantásticos como Boitotá e Aráybaca representam.
O universo criado para Araruama é inspirado no folclore e nas tradições latino-americanas, e sua história é contada como nas mitologias antigas, com uma narrativa poética e um ar de iminência de algo grandioso que está para acontecer. O Livro das Raízes representa o início do fim. E com esse gancho, meu exanhé (espécie de aura que tem cor e emana do corpo dos personagens) se agita todo para o terceiro livro. Com as ambições e o caráter dos heróis fortalecidos, descobriremos como eles vão agir diante da escuridão que se alastra pela Ibi.
“Taía Kulkulcán tem fome. Taía Kulkulcán tem sede.”
Mas não se assuste com os termos usados nesta resenha! Tem um glossário no final do livro. Além de o livro, assim como o primeiro, ser repleto de belíssimas ilustrações que nos ajudam a imaginar os acontecimentos.
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https://cronicasfantasticas.com/2019/04/15/araruama-o-livro-das-raizes/