spoiler visualizarHernani 26/05/2015
O senhor Ventura
O senhor Ventura, de Miguel Torga
A primeira impressão ao terminar o, infelizmente, breve O senhor Ventura, de Miguel Torga, é que nas mãos de George R. R. Martin esse livro teria 1000 páginas da mais pura adrenalina impulsionada pela passionalidade do personagem. Mas não. O senhor Ventura é um exercício primoroso de concisão, uma joia ornada no minimalismo de uma pérola única. Capítulos de uma página e meia em média movem o frenesi das aventuras do senhor Ventura (não, o nome não é por acaso). O temperamento do senhor Ventura é tempestuoso, e em situações tempestuosas o coloca, é como ver uma força da natureza se chocar com outras... Aos 20 anos sai de casa, até então pastor de ovelhas. Conhece a obediência e desobediência militares (não é para seu espírito o obedecer), conhece a paixão, conhece a indiferença pela vida, viaja o mundo, encara os mares, tempestades, se entedia, encara desertos, se entedia, encara a guerra (pela selvageria torna-se um assassino temido), vivencia a criminalidade, descobre a amizade, e dolorosamente perde um amigo.
E então pisa no que será a grande campo de batalha de sua vida, enfrenta um inimigo a altura da sua coragem, força e desequilíbrio passional: uma mulher. Russa. Tatiana. Uma mulher que só podemos imaginar a história pregressa. Um ser feito de loucura, dominado pelo seu ardor, pela sua paixão à vida, pelo seu desprendimento emocional seja ao que e a quem for. Mas o senhor Ventura a possui, ou é possuído por ela. Diz um ditado que domina a relação quem menos se importa com ela. Então o senhor Ventura é uma vítima, uma marionete que implora casamento a uma cortesã que ser somente ao próprio apetite insaciável. Nasce um filho, e então o senhor é domado por completo. “Não era capaz de acreditar que dois palmos de vida pudessem abalar tanto um homem”. Mas seus negócios na China o obrigam a ficar 5 anos desterrado. E retorna a pátria mãe Portugal, retorna a sua pequena vila. Por cinco anos enfrenta as adversidades para sustentar em outro pais a mulher e o filho. Somente para, em completa fúria, descobrir que o filho é mandado a Portugal e que sua grande inimiga destruiu sua fortuna na luxuria. Então, o domado senhor Ventura quebra a casca de civilização que tinha cultivado, e entra em cena a fera adormecida que é sua essência. E parte o capitão Ahab à caça da sua demoníaca baleia branca... guiado por um ódio cego parte para seu destino trágico de anti-heroi grego. E no final, o encontro... sobre isso não direi nada, deixarei que Torga diga: “agora eram na verdade aquilo que a natureza sempre lhes pedira: dois. A linha fina mas resistente, que os unira através de todos os desentendimentos, acabava finalmente de se partir. Tensa como era até ali, mal se quebrou, as duas metades retraíram-se de tal modo que nada as poderia nunca mais juntar. Livres!”
Conclusão: como disse Vinicius :são demais os perigos desta vida para quem tem paixão.
Nota: 10