Lauraa Machado 07/01/2019
Interessante, mas um pouco problemático
Quando assisti à primeira temporada da série de televisão Outlander, fiquei impressionada com tudo dela, com a ambientação, com os personagens, com a história. Mesmo tendo desanimado depois de um tempo com as próximas temporada, sempre quis dar uma chance para os livros. Confesso que, mesmo assim, comecei a ler este daqui sem qualquer compromisso em continuar. Minha nota verdadeira é de 3,5, porque teve partes dele que mereciam 4, outras que eu não poderia dar mais do que 3. Uma coisa é certa: seu enredo encaixa bem mais em uma série com vários episódios do que em um livro.
E essa é minha primeira crítica para ele. Apesar de ter achado a leitura bem mais fácil do que eu esperava, ela tem alguns problemas. É uma narrativa bem descritiva e, na sua maior parte, não há o menor problema aí. Mas a autora tem a mania irritante de chamar todas as plantas e pássaros pelo nome de suas espécies, mesmo quando eles não fazem qualquer diferença para a história, que foi difícil de aguentar. Além disso, certas explicações do clima e comportamento da natureza à sua volta não fizeram nenhum sentido em cenas em que a protagonista estava transtornada e definitivamente não deveria estar se preocupando com isso. Esses foram os detalhes que passaram do limite.
Mas o que realmente me incomodou foi que o enredo também se perde em várias cenas inúteis e rotineiras, que ficaram bem em episódios cujo pequeno clímax poderia não mudar muito o resto da história, mas que se tornaram enrolação em um livro. Aliás, não tenho muita ideia de qual é o clímax do livro em si, já que nada vai mesmo em direção a um só, ou se constrói para ele. Poderiam ter tirado de cem a cento e cinquenta páginas aqui pelo menos, e nada se perderia, já que muita coisa é repetitiva.
Um exemplo disso é quando Jaime e Claire estão se conhecendo melhor. Acho lindo criar várias cenas deles conversando sobre coisas importantes, mas elas passaram do limite. Quando vinha já a vigésima, minha vontade era de pular para o próximo capítulo.
É por causa desse tipo de coisa que ainda não sei se vou continuar com a série. Ela tem milhares de livros e cada um maior que os anteriores, mas eu simplesmente não confio na autora para ter escrito só o necessário e trabalhado em cima da sua história. Para mim, ela parece ter escrito com a intenção de ser muito e achar isso bonito.
Agora que li esse livro, tive que reconhecer que relevei muita coisa problemática que tinha visto na série, mas que são bem imperdoáveis aqui. São quatro coisas, duas delas em relação à protagonista, Claire. A primeira é sobre sua viagem no tempo, que ela levou extremamente bem, na minha opinião. Aliás, bem demais. Em nenhum momento ela realmente entra em pânico, em negação ou qualquer coisa assim. Sei que ela é, como pessoa, bem racional, mas eu também sou e isso é uma das coisas que me enlouqueceria mais ainda se eu tivesse passado pelo que ela passou. Se algo que minha racionalidade me diz ser impossível acontece, meu choque precisa ser grande. Ela não teve praticamente nenhum.
Além disso, em nenhum momento desde que viajou no tempo, ela pensou sobre seu marido, Frank. E eu quero dizer pensar de verdade, sobre ele, lembranças dele. No máximo, ela resumia na narração que tinha pensado sobre ele, sem a gente acompanhar seu raciocínio e seu teórico luto. Se isso foi uma tentativa da autora de nos fazer escolher o Jaime sem qualquer remorso, não conseguiu. Pelo contrário, me senti ainda pior pelo Frank, que foi esquecido em dois segundos e só lembrado pelas piores razões.
Mas esses são defeitos pequenos. Tenho outros dois bem maiores para criticar. Sabe, eu tentei manter em mente que o Jaime era um homem de 1700s, que a própria Claire, super civilizada comparada a ele, era da década de 40 e bem ultrapassada em relação a mim. Também não me deixei esquecer que esse livro foi publicado em 91, mas ainda não consegui perdoar certas coisas.E eu vou dar alguns pequenos spoilers no resto desse parágrafo, então, se você quiser fugir, vá para o próximo (depois do espaço).
Eu já estava preparada para a cena em que Jaime castiga Claire, ou seja, bate nela. Juro que entendo o que levou a autora a criar essa situação, mas ainda acho que ela poderia ter tido mais tato ao lidar com ela e a explorar. Para mim, se eu estivesse no lugar da Claire, não haveria o que me fizesse olhar para a cara do Jaime, confiar nele ou até chegar perto dele de novo. Mas foi bem pior quando a autora o fez a estuprar, com a desculpa de que ele era seu marido e ela teria que obedecê-lo. Acho imperdoável quando ela pede para ele parar, porque a está machucando, e ele continua.
Além dessas duas cenas serem terríveis, tenho que falar que elas não combinam em nada com a personalidade do Jaime, que até então eu estava achando perfeito quase demais. Mesmo depois delas, ele volta a parecer o Jaime de antes, como se elas fossem um desvio que a autora forçou para criar - não sei bem o que ela poderia querer aqui, - controvérsia, polêmica, choque de culturas, vai saber. Só sei que eu não consigo encaixar essas duas cenas na pessoa do Jaime, que é incrível e apaixonante em todos os outros aspectos.
Ainda mantendo em mente a época da qual cada personagem e a própria autora fazem parte, não consigo também relevar o fato de que esse livro é um desserviço a pessoas LGBTQ. Existem dois homens aqui, um gay e outro bi, aparentemente, que são retratados extremamente mal. Um é o grande vilão, perverso e pervertido, cruel em todos os sentidos. E o outro é feito de ridículo, ainda abusador, de garotos menores de idade até. Não importa o que pode vir em livros futuros - e o que eu sei que vem, - porque a mensagem que ela passa com este daqui é bastante tóxica e me incomodou muito.
Existem dois jeitos em que você pode retratar algo como homossexualidade em uma época em que não estava nem minimamente perto de ser aceito. Ou você retrata tudo como a autora fez aqui, do jeito preconceituoso como era e com a protagonista se fazendo de tonta, apoiando mas não abertamente. Ou você coloca a cara (dos seus personagens) a tapa, deixa eles terem mesmo os preconceitos só para quebrá-los durante a história e mostrar como estavam errados. Mas perpetuar essa ideia doentia de que ser homossexual é ser pervertido e abusador é a pior coisa que você pode fazer.
Outlander poderia ter sido muito melhor, é verdade, mas, para ser honesta, também estava esperando detestar, então foi melhor do que achei que seria. Algumas cenas são bem bacanas, alguns personagens (como a Jenny) também, mas não posso dizer que me conquistou, por exemplo, como a série de televisão tinha me conquistado. Não sei ainda se vou ler o próximo, principalmente, porque até as partes boas estavam começando a me irritar depois de um tempo. É um livro grande demais, com dezenas de páginas desperdiçadas em nada. Imagine que todos os próximos são ainda maiores, alguns têm o dobro desse aqui. Não sei se vou ter vontade, mas quem sabe, né?