Terra e Paz

Terra e Paz Yehuda Amichai




Resenhas -


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Brenoarf 10/04/2022

Poemas ruminantes
Ao justapor o sentimento, a vida e as dinâmicas típicos da paixão, mas também da memória - esse signo do passado e, também, da conservação -, Amichai nos convida a imaginar um museu vivo, tal qual o coração o qual um dia será sinônimo de lembrança.
Além disso, cabe dizer que a poesia de Yehuda chega até nós para que possamos conhecer um poeta indispensável e uma obra que impõe uma reflexão sobre o trabalho infinito da memória e dos sentimentos humanso, bem como de formação próprio eu.
Deixo abaixo o poema que, dentre tantos, permaneceu ruminante, desses que se perpetuam sólidos e densos na vida:

"O homem não tem tempo"

O homem não tem tempo
para tudo na vida.
Ele não tem uma época
para cada um de seus desejos.
O Eclesiastes não está certo.

O homem precisa odiar
e amar ao mesmo tempo,
com os mesmos olhos chorar
e com os mesmos olhos rir,
com a mesma mão atirar pedras
e com a mesma mão recolhê-las,
fazer amor na guerra e guerra no amor.

Odiar e perdoar, lembrar e esquecer,
organizar e confundir, comer e digerir
o que a história
faz ao longo de muitos e muitos anos.

O homem na vida não tem tempo.
Quando ele perde ele procura,
quando ele acha ele esquece,
quando ele esquece ele ama
e quando ele ama começa a esquecer.

a alma dele é preparada,
é bastante profissional,
somente o corpo é sempre
amador. Tenta e erra,
não aprende, confunde-se
bêbado, cego nos prazeres e nas dores.

A morte dos figos é no outono,
encarquilhados, cheios de si e doces,
as folhas secam sobre a terra,
os galhos nus já apontam
o lugar onde há tempo para tudo.
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Poesia na Alma 26/04/2023

Bagunçar a Bíblia
Eu quero bagunçar a Bíblia
Um avião passa sobre a figueira
que está sobre o homem embaixo de sua figueira.
O aviador sou eu e eu sou o homem sob a figueira.
Eu quero bagunçar a Bíblia.
Eu quero tanto bagunçar a Bíblia.
Eu creio nas árvores, não como uma vez acreditaram,
minha crença é fragmentada e abreviada
até a próxima primavera, até o próximo inverno,
eu creio na vinda da chuva e na vinda do sol.
A ordem e a justiça estão bagunçadas: bem e mal
estão na mesa diante de mim como o sal e a pimenta,
os frascos são tão iguais. Eu quero
tanto bagunçar a Bíblia. O mundo
é cheio de ideias boas e más, o mundo está cheio de aprendizado:
as aves aprendem com o vento que sopra,
os aviões aprendem com as aves,
os seres humanos aprendem com tudo e esquecem.
A terra não fica triste porque os mortos estão enterrados nela.
Como o vestido da minha amada não está alegre
porque ela vive dentro dele.
Crianças são nuvens
e o Ararat é um vale profundo.
Eu não quero voltar para casa
porque todas as más notícias chegam até lá,
como no Livro de Jó.
Abel matou Cain, Moisés entrou
na Terra Prometida e os israelitas ficaram no deserto.
Eu viajo na carruagem de Ezequiel
e Ezequiel dança como Miriam a profetisa
no Vale dos Ossos Secos.
Sodoma e Gomorra se desenvolvem
e a mulher de Ló é uma coluna de açúcar e mel
David Rei de Israel está forte e rijo.
Eu quero tanto
bagunçar a Bíblia.
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Cibele 02/05/2021

Maravilhoso
Simplesmente maravilhoso!! Uma pena que seja o único livro de Yehuda Amichai lançado no Brasil. Sem dúvida um dos livros de poesia mais densos e bonitos que já li.
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Leila de Carvalho e Gonçalves 01/02/2019

Moderno E Atemporal
Yehuda Amichai (1924-2000) é relativamente conhecido no Brasil, mas não a ponto de dispensar apresentação. Em poucas linhas, ele foi um marco na recuperação e modernização do hebraico e é o autor de uma das mais ricas e diversificadas produções poéticas de seu tempo. Uma obra que se caracteriza pela releitura da cultura e tradição judaicas através de variados temas como a intimidade amorosa, o o cotidiano em Jerusalém, as guerras e a paz.

Desta feita, é muito bem-vinda esta antologia publicada pela Editora Bazar Do Tempo que também é o primeiro livro do poeta em português, organizado e traduzido direto do hebraico por Moacir Amâncio, professor e doutor em Língua Hebraica e Literatura Judaica pela USP.

Por sinal, reunindo 79 poemas, esta é uma antologia um tanto quanto peculiar, pois não segue os critérios didáticos convencionais, como sequência histórica, classificação estilística ou fases do autor. Nada mais adequado para um poeta que ?pretende bagunçar a Bíblia?, como afirma num de seus versos e crê que há uma eternidade intangível nos poemas que transcende as convenções de tempo e espaço.

Quanto a minha experiência pessoal, conheci Amichai através de algumas traduções realizadas por Millôr Fernandes que eram publicadas em jornais revistas. Ainda me lembro de sua indignação por ocasião da morte do poeta que mereceu no nosso país não mais do que duas ou três notas vindas de agências internacionais. ?E se tivesse morrido o líder da banda de roque do Bump's ou Pump's?? - indagava ele.

Para Millôr, a prolífica obra de Amichai, mais de 40 volumes em verso e prosa, é o prodígio de um homem que ?embora tenha lutado em duas guerras, não aceitava as simplificações do nacionalismo e apesar de seu profundo conhecimento das Escrituras, não conseguia acreditar nas certezas de uma fé excludente.?

Indo mais além, no artigo ?The God of Small Things?, publicado no New York Times, o professor e escritor Jonathan Wilson afirma que Amichai conseguiu o que poucos conseguem alcançar, ou seja, tornar-se a voz de seu povo sem sacrificar as sutilezas e complexidades de seu ofício. Não é difícil saber o porquê, seus poemas são fáceis na superfície e, no entanto, profundos; seculares, mas engajados; alusivos mas acessíveis; carregados de metáforas e ainda assim, notavelmente concretos; mas acima de tudo, cheios de amor.?

Moderno e ao mesmo tempo atemporal, Yehuda Amichai deveria ter sido agraciado com o Nobel de Literatura, mas jamais ele acreditou nessa possibilidade, pois afirmava que suas ideias pacifistas não agradavam aos membros da Academia Real Sueca da época. Ao que tudo indica, ele tinha razão.

Nota: Adquiri o livro na pré-venda da Amazon e recebi em perfeitas condições, dois dias antes do prazo. Em capa brochura com abas, seu miolo foi impresso em papel pólen bold 90g/m2 e as fontes escolhidas foram a Sabon e a Helvetica Neue. Recomendo.
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Ederson 27/11/2023

Ótima antologia!
" o diâmetro da bomba

O diâmetro da bomba media trinta centímetros
e o diâmetro da destruição, cerca de sete metros,
nele, quatro mortos e onze feridos.
Ao redor, num círculo mais largo
de dor e tempo há dois hospitais
e um cemitério. Mas a jovem mulher,
enterrada no local de onde viera
à distância de mais de cem quilômetros,
aumentou muito o círculo
e o homem solitário que chora pela morte da moça
no litoral de um país distante
inclui o mundo inteiro no círculo.
Não direi nada sobre o grito dos órfãos
que chega ao trono divino,
e de lá abre o círculo
até o infinito e o nada de Deus."
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Aguinaldo 24/05/2019

terra e paz
Yehuda Amichai foi um dos mais importantes poetas israelenses de seu tempo, e é celebrado sempre pela força de seus poemas e perene lucidez de suas reflexões. Nesta antologia, assinada pelo professor da USP e especialista em literatura hebraica, Moacir Amâncio, encontramos 79 poemas. Quase todos os poemas são curtos, cantam a cidade de Jerusalém, a família, o mistério das palavras, as diferenças entre os homens, o amor pelo seu país, as festas e dias de celebração, os personagens da história judaica, a passagem do tempo no humor e na vida do poeta e de seus concidadãos, a força de sua história e seu idioma. Três poemas são mais longos, e prendem o leitor num redemoinho de emoções: um em que o narrador explica como não foi um dos muitos milhões de mortos no Shoá, um que fala de um menino que se perde na história de seu país inventado, um em que fala do filho que parte para a guerra. O narrador fala sobre o cotidiano, a vida, as coisas que experimenta. Percorre as ruas da cidade e captura fragmentos de memória e espantos. São poemas que se deixam ler com calma, que provocam reflexões e surpreendem todo aquele que se aproximar do livro com o coração leve, sem restrições, sem compromissos ideológicos. O último poema escolhido por Moacir Amâncio em sua antologia diz: "Dentro do museu novo em folha / uma sinagoga antiga. / Dentro da sinagoga / eu. / Dentro de mim / meu coração. / Dentro do meu coração / um museu. / Dentro do museu / uma sinagoga, / dentro dela / eu, / dentro de mim / meu coração, / dentro do meu coração / museu." Esse poema infinito explica Yehuda Amichai, que viveu para registrar as maravilhas e a fortaleza da cultura judaica. Vale!
Registro #1396 (poesia #111)
[início: 01/04/2019 - fim: 29/04/2019]
"Terra e paz: antologia poética", Yehuda Amichai, tradução de Moacir Amâncio, Rio de Janeiro: Bazar do Tempo Editora, 1a. edição (2018), brochura 14x21 cm, 184 págs. ISBN: 978-85-69924-45-6

site: http://guinamedici.blogspot.com/2019/05/terra-e-paz.html
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