harison 15/11/2020
Esse ensaio é um perigo para a humanidade
Há três anos tive meu primeiro contato com a escritora Simone de Beauvoir, em uma questão de vestibular. Desde então me senti compelido a consumir, após ter mais contato com escritoras que a referenciavam (Djamila Ribeiro, bell hooks), as obras dessa notável escritora. Comecei pelo seu monumental ensaio sobre a condição feminina em nossa sociedade "O Segundo Sexo", considerado por muitas/os um marco no movimento feminista.
Nesse ensaio filosófico (dividido em dois volumes: O Mundo sempre pertenceu aos machos e Ninguém nasce mulher: torna-se mulher) De Beauvoir adota uma linguagem suavemente tangível para que seu pensamento, de notória relevância, chegue ao maior público possível. Apoiada em um vasto referencial bibliográfico, a autora tece imperecíveis críticas à construção e manutenção da feminilidade, outrora criada a serviço de interesses do sujeito (O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro), sob uma ótica filosófica, histórica, psicanalítica e analítica de mitos e literatura. Uma "ameaça" à gestação, à família e ao patriarcado, não atoa foi censurado em alguns países, como exemplo clássico o Vaticano.
Pouco mais de 70 anos de sua publicação, O Segundo Sexo ainda nos explica muitos dos fenômenos sociais que vivenciamos ainda hoje. Por exemplo, quando estou em uma sala de aula preenchida majoritariamente por mulheres (onde há de representação masculina 3 ou 4 homens, contra 30/40 mulheres) a/o professora/or da turma dirige-se a nós com um "Bom dia meninos". Extremante sintomático quando De Beavouir cunha:
"O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos "os homens" para designar os seres humanos".
Nessa obra polêmica a autora passa por todas as esferas que circundam à existência da mulher. Sexualidade, lesbianidade, matrimônio, aborto e maternidade; como o trabalho doméstico foi (ainda é?) usado para alienação das mulheres. As diferenças de classes que dividem as mulher em burguesas e trabalhadores:
"Vimos que as grandes burguesas, as aristocratas sempre defenderam seus interesses de classe mais obstinadamente do que seus maridos"
Após fazer uma interpretação da nossa realidade sob uma perspectiva beauvoriana, observando representações femininas que me cercam, pude entender a razão pela qual minha avó espera determinadas condutas de suas filhas, e suas filhas das suas respectivas, e assim sucessivamente. Nossos lugares/performances de homem e mulher já estão postos, De Beauvoir nos diz:
"“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino".
Uma miríade de outras questões são abordadas nessa obra basilar do movimento feminista que, após décadas de publicada, ainda nos mostra interpretações pertinentes da nossa sociedade. Logo, até o presente momento, ainda é uma leitura prazerosa e necessária.