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54 Wu Ming



Resenhas - 54


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Antonio Luiz 15/03/2010

Dialética positiva: Um manifesto pela resistência e contra o pessimismo, embalado em um romance empolgante
Os quatro italianos que escreveram "Q - O Caçador de Hereges" abriram mão do pseudônimo Luther Blisset, mas prosseguiram seu projeto, com mais um colega, na Fundação Wu Ming (“sem nome”, em chinês) cuja obra 54, publicada pelas normas do copyleft, está nas livrarias e também pode ser baixada grátis do site da Conrad (http://www.conradeditora.com.br/hotsite/54/),

As duas obras também podem ser baixadas, em outras línguas, do portal da Fundação (http://www.wumingfoundation.com/) que, em uma de suas páginas, reproduz a resenha de "Q" em CartaCapital nº 186 com uma ressalva: rejeita a qualificação de “herdeiros da Internacional Situacionista” que demos às centenas de autores das intervenções e performances assinadas por “Luther Blisset”.

Em entrevista a Fabio Salvatti e Antonio Vargas, um Wu Ming, esclareceu a restrição: o situacionismo “começou muito bem no final dos 50 e começo dos 60, falando de ‘construção de situações’, ‘reapropriação do dia-a-dia’, mas depois de 1962, começou a falar de ‘reificação’ e ‘espetáculo’” à moda de Adorno, para ele(s), purista, aristocrática e elitista:

"Uma teoria que diz que tudo o que você faz é inútil e reacionária. Uma teoria revolucionária devia mostrar que as coisas são possíveis. Conflitos reais devem alcançar resultados que pessoas possam usar para viver melhor".

Esse programa é esclarecido e seguido em "54". Como "Q", é um vibrante romance histórico rico em ficção política e espionagem, convencional na forma sem deixar de ser uma “tentativa de contar as histórias certas, que façam as pessoas quererem lutar”.

É o ano do apogeu e queda do macarthismo e da derrota francesa em Dien Bien Phu. Muitos personagens militam no Partido Comunista Italiano. O capo mafioso Lucky Luciano, o líder iugoslavo Josip Broz Tito, o primeiro diretor da KGB, general Ivan Serov, e o último imperador do Vietnã, Bao Dai, têm papéis importantes na trama e Fidel Castro ganha uma pontinha.

Também é o ano em que a televisão é inaugurada na Itália (e espinafrada por Adorno em “A Televisão e os Padrões da Cultura de Massa”). Os focos da ação são um garçom de Bolonha, seu ídolo Cary Grant e um televisor McGuffin. Notem os distraídos: essa marca não é de eletrodomésticos, mas de um artifício narrativo característico de outro personagem de 54, Alfred Hitchcock.

A trama entretece sem costura a Guerra Fria e o boom da cultura de massas, mas é menos movida pelo conflito leste-oeste do que pela escolha entre construir o próprio destino e deixá-lo ser imposto por outros. Trata de Resistência, na guerra ou no “pós-guerra” – para os autores, simples distanciamento do front.

Erguida pelos partigiani que desafiaram Mussolini por uma Itália e Iugoslávia socialistas, a bandeira vermelha estava de um lado, mas passa o lado oposto junto aos ingênuos camaradas dos bares de Bolonha ou aos agentes de Serov. E a cultura de massas?

“Na sociedade sem classes, todos poderiam ser Cary Grant” – e esse “Homem Novo” ouve de Tito que “Nós, filhos de proletários, precisamos conquistá-la, a elegância. Com firmeza. Sempre atentos, como se estivéssemos no campo de batalha. Afinal, esta também é uma guerra”. Não é só ironia dirigida a Hollywood ou ao culto italiano da elegância masculina: um Wu Ming já disse que “a cultura pop é um pré-requisito para o comunismo”.

Mas a tela muda do McGuffin testemunha e reflete o espetáculo patético dos tolos e oportunistas, dignos de Vittorio DeSica, que a desejam e disputam para assistir passivamente à encenação da vida como os poderosos a querem, sem saber usá-la e sem ter idéia de suas propriedades literalmente narcóticas.

Wu Ming não ignora esse lado da cultura de massas. Nestes anos de glória de Silvio Berlusconi e do "Grande Fratello" (o "Big Brother" italiano), seria impossível. Mas predomina o otimismo e seu romance é bem capaz de convencer o leitor de que a verdade está, no mínimo, em algum ponto entre o seu entusiasmo pela apropriação do pop pelas multidões e o inabalável pessimismo dos frankfurtianos de carteirinha.

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