Marcelo 03/12/2022
Egocêntrico e repetitivo
Antes deste livro, li alguns outros títulos escritos pelo Augusto Cury, além de ter ouvido entrevistas e vídeos, em que me passou certa coerência e confiança, apesar do rótulo midiático. Em alguns destes a referência a obra "Inteligência Multifocal", como algo diferente dos demais, em que trazia um legado mais científico a seu repertório e que explicava o porque de certas propostas de comportamento e atuação em que defendia. Um aspecto me chamou a atenção, da indicação de que atrelar a emoção a uma determinada intervenção facilitaria o processo de resgate da memória sobre aquela intervenção. Tal informação me gerou uma inquietação, pois seria um argumento a favor de processos de aprendizagem guiados por competências socioemocionais, a qual tenho interesse.
O livro não é fácil de encontrar, publicado por uma editora diferente dos demais livros do autor, pouco explorado comercialmente, apesar do cuidado editorial, com uma capa vermelha, com o título em relevo, que faz ser um exemplar especial na biblioteca de qualquer pessoa. Adquiri o livro a algum tempo, mas tive o cuidado de que apenas o colocaria para iniciar a leitura quando tivesse uma oportunidade de me dedicar a sua leitura e estudo, pois tinha a perspectiva que me traria insights específicos sobre como me comportar para obter de meus alunos, uma resposta de desenvolvimento pessoal e profissional. Apesar de entender que o autor não seria um cientista, este traria em sua obra, sua experiência e vivência de atendimento a diferentes pessoas, potencializada pela exposição midiática, podendo de certa forma servir ao meu propósito.
A decepção ao livro vem nos primeiros capítulos, em que há a presunção de tratar a obra, como um serviço de contribuição da vida do autor, pautado em uma premissa em ser um trabalho completamente original, sem vínculo com qualquer outra teoria científica existente na história. E ainda tal premissa foi defendida como uma necessidade em ser o mais científico possível. O que na verdade, ao contrário, vai na contramão do que seja ciência, a qual tem em sua metodologia, a necessidade de trazer o que é de conhecimento da comunidade e se argumentar, a partir dos resultados demonstrados, o que se mantém verdadeiro e o que se deve ser pensado de forma diferente. Tal forma de agir permite que a ciência seja construída em comunidade, com contribuições de vários agentes, em que inspirou Sir Isaac Newton a relatar, que mesmo ele, um cientista exaltado na história, devia suas observações por serem apoiadas em ombros de gigantes, enaltecendo as contribuições desta comunidade. Assim a discussão em comunidade permite os ajustes necessários por diferentes especialistas na melhor construção que permita um modelo adequado à refletir a realidade, tendo o objetivo de resolver uma demanda.
Outra questão importante para esta metodologia, deve-se a necessidade de manter uma linguagem comum. É notório que muitos mecanismos propostos por Cury, são parecidos com o que são propostos por outros autores, como Howard Gardner ou Daniel Goleman, mas com nomenclaturas distintas, o que na ciência, apenas faz confundir. Apesar destes autores até serem dos poucos citados na obra, o são em seus textos clássicos mais conhecidos e não os mais atuais, em que relatam alguns destes mecanismos dentro de uma conjuntura de outros autores da comunidade científica em diferentes áreas.
Devido essas questões, toda a discussão proposta no livro mostra o potencial criativo do autor, mas peca em termos de qualificação para uso posterior em uma perspectiva de fundamento comportamental para indicar formas de atuação de indutor da aprendizagem.
Além disso o autor se contradiz ao propor essa necessidade de liberdade para o trabalho original, mas também indica a necessidade que outros profissionais de várias áreas usarem sua proposta como marco para discussão de várias perspectivas, inclusive como base para explicar fenômenos propostos por Jung, Freud e outros autores.
A repetição de certos trechos por todo o texto, assim como da defesa destas premissas, faz parecer inclusive de que o livro é o juntamente de escritos feitos em épocas diferentes tentando explicar a mesma coisa, e que depois foram apenas juntados para montar o livro. Diversos detalhamentos que poderiam ter sido acrescentados, e foram prometidos para próximas obras.
No último capítulo, há um pouco de alento, quando o autor propõe indicar aplicações da teoria e descreve alguns fenômenos com uma nomenclatura própria e como profissionais poderiam ajudar a minimizar os efeitos descritos, seja para o indivíduo, seja para a comunidade, apesar de haver alguma repetição de situações propostas e uma tentativa forçada de contextualizar o nazismo e o conflito árabe - judeu.
Não recomendo a leitura, foi uma tortura, principalmente pelos frequentes aportes de autoelogios e destaque de explicações de situações que foram dadas, que são bem mais banais. Acredito que poderia até ser uma proposta de projeto de TCC na psicologia ou filosofia, fazer uma comparação de cada ponto do que é proposto como original e rebater com literaturas que mostram a mesma proposta com outros autores, sejam filósofos que pensaram sobre os mesmos fenômenos, seja psicólogos, neurologistas, psiquiatras, educadores, que demonstraram experimentalmente, entretanto não teria a menor relevância.
Outras obras do autor com conotação de autoajuda ainda podem ser interessantes de serem lidas.