Kelly Oliveira Barbosa 03/10/2022"Está moça não é feliz!" (p.5)Terminei de ler nesse final de semana o romance Lucíola de José de Alencar. A obra data de 1862, e faz parte dos “perfis de mulher” do autor, composto também por Diva (1864) e Senhora (1875).
Resolvi ler Lucíola meio aleatoriamente para tentar traçar um contraste para mim mesma do que foi o romantismo brasileiro sob a pena de Machado de Assis e o que foi sob a pena de um romântico raiz como o José de Alencar.
O enredo gira em torno do jovem Paulo, recém chegado a Corte do Rio de Janeiro; e Lúcia, uma cortesã (prostituta de luxo) rica muito famosa na cidade. O livro é um romance urbano que aos moldes do romantismo com todo o seu elevo e moral, se propõe a uma crítica a sociedade brasileira da época. A narrativa é em primeira pessoa no formato epistolar. O Paulo do futuro revela para uma senhora suas lembranças de uma parte de sua vida. Uma história bem elaborada, com direito a reviravoltas que prendem o leitor até um final previsível sim, mas que nem por isso, menos interessante.
Achei Lucíola uma obra muito forte, isso é, de uma carga emocional bem pesada. E isso se deve e muito a complexidade e profundidade que José de Alencar conseguiu dar a sua personagem Lúcia. Enquanto lia me lembrei que esse é o terceiro ou quarto livro que leio com a figura de uma prostituta como personagem principal. O próprio Crime e Castigo do Dostoiévski é um deles, o Amor de Redenção da Francine Rivers é outro. Em todos esses, temos uma jovem prostituta, marginalizada e discriminada pela sociedade, a mesma sociedade que paga por sua degradação, como personagens hiper complexas que são desnudadas em camadas diante do leitor. Em todos eles acompanhamos histórias de mulheres que foram lançadas na lama (por circunstâncias, por terceiros, por elas mesmas), mas que de lá do fundo da desesperança se elevaram até um lugar de redenção, o que é sempre muito tocante.
A prostituição é um tema revoltante, degradante… encará-lo na literatura ou em qualquer outra arte não é “tranquilo” por assim dizer. Porém, esse problema social é com certeza um elefante na sala da história de qualquer sociedade, e talvez por isso, seja o melhor elefante para retratar, justamente na arte, o tamanho da hipocrisia desse mundo.
Em geral eu gostei muito da obra. Lucíola é bem escrita, profunda e desafiante. Porém reconheço que ler obras tão antigas é um pouco complicado por vários motivos, sendo um deles a própria linguagem. Lucíola é acessível, mas exige um esforço a mais do leitor do século 21. Inclusive principalmente nesse aspecto, eu senti um pouco o salto de Machado para Alencar. Mas é aquela coisa, é um esforço que recompensa, pois finalizar uma obra como essa, acompanhar tudo o que esse autor construiu com esses personagens e enredo do começo ao fim, foi sensacional. E falando disso ainda, da barreira da linguagem, estou gostando muito de ler esses clássicos no Kindle, pois nesse formato temos o dicionário e a Wikipédia sempre a um clique de distância, facilitando e muito a leitura – fica a dica.
Enfim, acho que consegui atingir o meu objetivo com essa leitura. Consegui constatar a grande diferença do romantismo de um Machado e de um Alencar, ambos grandes escritores da literatura brasileira. Há muitos exageros em Lucíola, coisas completamente inverossímeis. As expressões dos sentimentos atingem um nível até religioso e chega a um ponto que tudo se confunde na verdade. Mas entre prós e contras, a obra chegou viva até aqui em 2022, e como é bom poder ler um clássico da literatura desse porte que foi pensado e escrito em nosso idioma e para nós, os brasileiros.
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