Luciano Otaciano 29/09/2022
Uma obra tanto confusa!
Minas abandonadas são um ambiente fértil para inserirmos mitos, lendas e todo o tipo de elementos sobrenaturais. As péssimas condições de trabalho e o sofrimento natural de um ofício exercido embaixo da terra se somam aos muitos desastres que marcam a história de diversas minas espalhadas pelo mundo. Desespero, de Stephen King, é, pra mim, o melhor livro a trabalhar o terror nesse ambiente. Agora imaginem uma família que construiu sua riqueza às custas da exploração de dezenas de minas. Séculos mais tarde, já nos nossos tempos, o herdeiro do lugar tem sua vida abalada por uma tragédia em uma dessas minas. Para finalizar, uma criança – sempre elas, traumatizada pela perda da mãe e que parece não só enxerga-la como também fazer previsões de catástrofes futuras. Maneiro, não? Na mesma pegada de As Gêmeas do Gelo, S.K. Tremayne constrói seu suspense abusando da claustrofobia, da sensação de desastre eminente e dos leves toques de sobrenatural que nunca se concretizam, mas plantam boas dúvidas nos leitores. A Criança do Fogo surge, portanto, com uma premissa, sinopse, promessa, expectativa e todos os adjetivos mais que forem possíveis enumerarmos de forma positiva. Mas cai no poço do excesso de detalhamento que prejudica consideravelmente aquela que teria tudo para ser uma excelente história. A ambientação de A Criança do Fogo é seu ponto alto. A mansão de Carnhallow com seus muitos cômodos e segredos e os possíveis fantasmas que ali espreitam são desenvolvidos com uma qualidade muito superior à trama que vai se desenrolar. O ambiente é inóspito, cercado por minas abandonadas, tragédias familiares, segredos mal revelados, histórias mal contadas, mistérios a perder de vista, e uma protagonista desequilibrada mentalmente o suficiente para transformar tudo isso em um looping de dúvida nos leitores. Qual o limite entre realidade e insanidade?
Narrado em primeira pessoa por Rachel, a protagonista, A Criança do Fogo traz somente uma visão para tudo o que ocorre ali. É onde ficamos um pouco no escuro e mergulhamos nas dúvidas de uma só personagem. O problema é: até que ponto essa personagem é confiável? Onde está a verdade em meio a tantos mistérios assombrando o lugar? Nasce então um excelente suspense assentado, como falei, em um ambiente pra lá de claustrofóbico. A ele se soma o misterioso Jamie, a tal criança do título. O garoto parece ter dupla personalidade, variações constantes de humor, faz umas previsões loucas de tragédias e diz ver a mãe morta pra todo lado. Ele pode ser a chave para algo? Talvez… E seu pai? Bom, David é o personagem mais dúbio e mal construído do livro. Apresentado tanto como vilão quanto como vítima de si mesmo, ele chega ao fim da obra como alguém pra lá de secundário. A ótima e promissora ideia de A Criança do Fogo naufraga, no entanto, no desenvolvimento confuso do autor. Parece que S.K. Tremayne se perdeu no labirinto de suas minas e não soube dar vazão em texto a tudo o que tinha na cabeça. O detalhamento de algumas situações, talvez visando confundir os leitores, acabou tornando-se enfadonho. Inúmeras páginas a menos resultariam em uma obra mais concisa e quem sabe com melhor qualidade. Porque a insanidade que vai tomando conta das páginas, de fato, produz um suspense em crescimento. Ficamos tão ansiosos quanto Rachel para esbarrar no clímax e quando ele chega, quando ele finalmente chega, é como mergulhar nas frias águas ao redor de Carnhallow. Simplesmente não há um clímax. Ou pelo menos nada que mereça essa definição. A Criança do Fogo carece também de uma boa e satisfatória explicação para de onde veio a porcaria desse título. Porque por mais esforço e boa vontade de nossa parte, é impossível associar Jamie a qualquer coisa decente no decorrer do livro. É uma obra mais sobre Rachel do que sobre uma criança travestida de Charmander. E as minas… Ah, elas poderiam ter uma contribuição maior do que simples cenário. Em resumo, A CRIANÇA DO FOGO é uma obra que deixa muito a desejar em vários aspectos como mencionei anteriormente. Aventureiros do suspense, como eu, leiam A Criança do Fogo se não tiverem nada mais na lista. Mas se meus conselhos valem algo, optem por As Gêmeas do Gelo que vocês vão sair com mais satisfação. Espero que tenham curtido a resenha!