Rodrigo | @muitacoisaescrita 08/12/2020
Sabe aquele livro especial que te acompanha para todo canto? Esse tem sido um deles desde que tenho pesquisado mais sobre gênero e feminismo. De longe, para mim, considerando os outros dois livros que atualmente compõe a coleção “Pensamento feminista” de Heloisa Buarque de Hollanda pela Bazar do Tempo, esse foi o mais complicadinho de ler, pelo menos a primeira parte, “Gênero como método”. Gosto de desafios e, mesmo ficando quase 2 meses focando nele (minha leitura consistia em pesquisar mais sobre as autoras, entender os argumentos principais, linhas teóricas, etc), não desisti.
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A primeira parte aborda desde a construção do conceito de gênero enquanto categoria de análise até suas posteriores críticas, questionamentos, revisões, etc. A maioria dos artigos dessa parte são tidos como clássicos e fundamentais nos estudos de gênero. Lendo o livro “Gênero, patriarcado, violência” de Heleieth Saffioti (que já tem resenha aqui!), por exemplo, pude perceber o quanto a autora utiliza os textos de Joan Scott, Sandra Harding e Teresa de Lauretis que estão nessa coletânea. Monique Wittig, por sua vez, é bastante citada nos livros de Judith Butler e Paul B. Preciado. Ou seja, a coletânea tem me ajudado bastante nas minhas pesquisas e leituras atuais e sempre que tenho alguma dúvida, recorro às minhas anotações do/no livro.
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Nessa 1ª parte, os artigos de Fraser e Butler foram os que mais me chamaram atenção. Fraser revisita a segunda onda do feminismo — quando criticava-se o economicismo, androcentrismo, estatismo e westfalianismo do capitalismo organizado pelo Estado — e analisa como algumas críticas ao capitalismo foram “aproveitadas” por quem defendia uma nova forma de capitalismo, o neoliberalismo. As críticas ao estatismo e ao economicismo pela segunda onda feminista, por exemplo, foram ressignificadas pelo neoliberalismo, a fim de, respectivamente, defender a redução da ação estatal na economia (deixar a mão invisível do mercado livre, leve e solta...) e ignorar o debate econômico/de classe. Nesse sentido, Fraser deixa explícito a necessidade de um feminismo anticapitalista ao denunciar como o movimento foi facilmente cooptado pelo neoliberalismo e reduzido a meras políticas de representação. Esse artigo tem me ajudado bastante a compreender as críticas recentes de Fraser ao “neoliberalismo progressista” e ao economicismo, bem como entender o que ela chama de lutas de fronteira.
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Quanto ao artigo de Butler, somos apresentades ao seu conceito de performatividade de gênero, bem como suas críticas à heterossexualidade compulsória. Ao propor que o gênero é socialmente construído, Butler diz que criam-se ilusões de essência – o que seria homem e mulher “de verdade” –, que são identidades construídas “em que as pessoas comuns, incluindo os próprios atores sociais que as executam, passam a acreditar e performar um modelo de crenças”. Essas “essências” de gênero são na verdade repetições de atos que estão sempre mudando pois, como Butler explica, essa “essência” sequer existe — o gênero é uma construção que regularmente esconde sua gênese. No entanto, qualquer corpo que fuja dessa “essência” e falhe em fazer seu gênero (uma vez que gênero, para Butler, é algo que fazemos, não que somos), corre o risco de ser punido.
[resenha publicada no meu Instagram Literário @muitacoisaescrita; confere lá a resenha completa e alguns trechos do livro: https://www.instagram.com/p/CHIvcPpDh0E/)
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