Meu pai, minha mãe

Meu pai, minha mãe Aharon Appelfeld




Resenhas - Meu pai, minha mãe


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Pandora 04/03/2021

Aharon Appelfeld foi um sobrevivente do Holocausto. Ele nasceu numa região que pertencia ao Reino da Romênia, hoje Ucrânia. Sua história de sobrevivência durante a guerra é incrível. Em 1941, quando o exército romeno retomou sua cidade natal após um ano de ocupação soviética, sua mãe foi assassinada. Appelfeld tinha oito anos. Ele e o pai foram enviados a um campo de trabalhos forçados na Transnístria (hoje um estado separatista da Moldávia). O menino fugiu e se escondeu nas florestas da Ucrânia. Após um tempo sozinho, ele foi “recrutado” por ladrões de cavalos ucranianos, foi serviçal de uma prostituta e juntou-se ao Exército Vermelho como cozinheiro. Após a guerra, passou alguns meses em um campo de refugiados na Itália, até imigrar para a Palestina em 1946, dois anos antes da independência de Israel. Só então Aharon aprendeu hebraico, que ele chamou de língua-madrasta, que é a língua que usou para escrever seus livros. Em 1960, ele achou o nome de seu pai numa lista de sobreviventes da Agência Judaica. O encontro foi tão emocionante que Appelfeld nunca conseguiu escrever a respeito.

Toda a literatura de Aharon Appelfeld foi baseada em suas experiências, mas segundo o próprio, ele não escrevia memórias. Neste Meu Pai, minha Mãe, ele traz lembranças da infância e de pessoas que conheceu, mas sem se ater rigorosamente a fatos. Por exemplo, o narrador, Erwin (nome de registro do escritor), tem, nesta narrativa pré-guerra, exatos 10 anos e 7 meses. No início a guerra, em 1939, Appelfeld tinha sete anos.

O ano é 1938. Pai, mãe (não nominados) e Erwin estão passando um mês das férias de verão às margens do rio Pruth, numa cabana que alugam todos os anos de um camponês local. Em meio à natureza deslumbrante, com uma horta à disposição e a companhia de outros judeus, eles se bronzeiam, nadam, leem e descansam. Os personagens são peculiares: as jovens esbeltas, o escritor, o homem que teve a perna amputada, o médico altruísta, a vidente, a bela alcoólatra, o ex-socorrista do exército... todos aproveitando uns dias de descanso sem se preocupar com a iminência da guerra.

“Só a burguesia judaica é capaz de se dar ao luxo de um mês de férias em meio a esse panorama pastoral, aos pés dos montes Cárpatos.” - pág. 9

O pai é um industrial, prático, sarcástico e esportista, que despreza muitos dos personagens à sua volta; a mãe é empática, interessada e ótima nadadora, sempre aberta ao contato com outros seres humanos. Eles falam alemão e não iídiche, como os judeus pobres e em tudo se sentem modernos europeus, sem grandes ligações com o judaísmo, embora a mãe ainda faça suas orações e os pais dela frequentem a sinagoga.

Mãe: “Tenho que admitir que não estou satisfeita com o fato de ser judia. Não sei o que há de bom nessa coisa supérflua que há em mim.”

Pai: “Não nego que sou judeu, mas tampouco me orgulho disso. O que as pessoas dizem a meu respeito não me interessa. Eu me esforço para ser decente e digno do respeito dos outros.”

Nestes dias de idílio junto ao rio, o que fica mais evidente é o quanto os judeus subestimam os perigos que estão por vir. Mesmo nas cidades, conforme uma carta que a mãe recebe de uma amiga:

“A cidade está tumultuada. O tráfico dos bondes está irregular e as pessoas preferem ir a pé. Por causa de tantos pedestres, a cidade está apinhada. Todos se perguntam se o ano escolar vai começar na data prevista. Não faltam boatos, mas nos cafés continuam a servir café e bolo, e eu digo a mim mesma que, enquanto estiverem servindo café e bolo, isso é um sinal de que a vida continua a correr em ordem. Esperemos que as previsões sombrias passem e que continuemos a viver nossa vida.” - pág. 139

Não é uma narrativa que tenha me conquistado plenamente por si só, mas por saber da história do autor, muito do que foi retratado no livro fez muito mais sentido pra mim.

Luis S. Krausz, o tradutor desta edição, esteve em Israel e entrevistou Aharon Appelfeld pouco antes de sua morte e a entrevista pode ser lida nos Cadernos de Língua e Literatura Hebraica do Portal de Revistas da USP.
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