Marina 09/06/2022
Talvez alguns autores sejam melhores compreendidos quando lidos em determinadas idades.
Machado de Assis era leitura obrigatória na escola e, no meu primeiro contato, achei um saco: difícil de entender suas palavras arcaicas e ruim de analisar pois não tinha nunca uma aventura ou um mistério policial; na minha visão, uma leitora adolescente que tinha como livro preferido "A Moreninha", "Memórias Póstumas de Brás Cubas" era um livro extremamente entediante, sem carisma e esquecível. "Dom Casmurro", então, era um "nunca nem li" quando me perguntavam.
Hoje, depois de alguns anos, de algum amadurecimento e de um interesse pelo comportamento humano que quase me leva a estudar psicologia (quem sabe?), me vi diante de um livro poderosíssimo e que me intrigou como nenhum outro jamais fizera. Um dos maiores clássicos da Literatura Brasileira estava bem nas minhas mãos e eu não apenas podia reconhecê-lo, como passei a refletir profundamente sobre a mente de Bento Santiago, o Dom Casmurro, e sobre a genialidade do maior autor brasileiro. (Inclusive, esta resenha foi começada por pelo menos 3 vezes e salva como rascunho pois eu simplesmente não sabia como começá-la. Acho que finalmente desempaquei.)
Bento Santiago é Dom Casmurro, apelido que lhe foi dado, segundo ele, por sua cara fechada; mas, se consultarmos o dicionário - o que ele diz ao leitor para não fazer -, teremos a descrição de "indivíduo teimoso, obstinado, cabeçudo; fechado em si mesmo". Bom guardar essa informação para acompanhar a história.
Ao final de sua vida, morando em uma casa que foi construída como uma réplica da casa onde cresceu com sua mãe, Bento decide que, antes de começar a escrever suas "Histórias de Subúrbio", contará sobre sua própria vida.
Homem velho que vive só e que convive com memórias de seu próprio passado, Casmurro é cheio de reflexões para explicar seus sentimentos, como a seguinte passagem: "Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo." E em meio a conclusões e explicações, tece sua própria versão sobre sua história de amor com Maria Capitolina, a Capitu, que fora seu primeiro e único amor.
Mas, além da trama e do famoso questionamento - que pode até soar machista na nossa compreensão atual - sobre a infidelidade de Capitu, a vida de Bentinho é contada em detalhes pelo autor. A riqueza do texto que, em alguns momentos, me fez parar e anotar alguns trechos que não quis esquecer, foi o que tornou a minha leitura ainda mais especial.
Em meio à complexidade do pensamento de Bentinho, Capitu, pra mim, se tornou uma personagem secundária, que me faz pensar que pouco importa o "traiu ou não traiu?" quando temos o próprio Bento Santiago para analisar, que, aliás, é o único narrador e conta a sua versão dos fatos sem dar o direito de réplica a sua amada. Pensar sobre Capitu só é possível se levarmos isso em conta.
Talvez o próprio machismo nos tenha feito pensar mais em Capitu do que em Bentinho; talvez sejam apenas os olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada; ou, talvez, em Capitu esteja a solução para o mistério; talvez.
Eu me dou a missão de ler novamente para chegar a uma conclusão (ou não), e recomendo a leitura para quem ainda não conhece essa história tão rica e bem escrita.
Se você tem uma opinião, conte nos comentários! A maior discussão da literatura brasileira não só pode, como deve ser sempre continuada.
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