Tempo do tempo

Tempo do tempo Otávio Machado




Resenhas - Tempo do tempo


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Krishnamurti 14/06/2019

A correnteza do tempo em benefício do humano
LANÇAMENTO IMPERDÍVEL HOJE EM SAMPA das 19 às 21:30 h, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima - Rua Henrique Schaumann, 777 - Pinheiros, São Paulo – SP - SEGUE PREFÁCIO QUE TIVE A HONRA DE ASSINAR:

O lirismo fechado, aquele enclausurado, recluso em si numa auto-sondagem miúda e epidérmica, em certos autores que atingem uma maturidade poética, expande-se até ilimitadas fronteiras, a fim de abarcar o mundo exterior. Ocorre então uma dilatação do “eu” a ponto de romper suas próprias barreiras e invadir o plano do “não-eu”. O ser-poeta lírico, antes submerso na correnteza de seu próprio tempo, volta seus olhos para, dentre outras coisas, perquirir a dimensão da angustiante fugacidade do homem e das coisas. Tende a criar novas instâncias temporais, as quais correspondem aos anseios humanos, frente à urgência do tempo que escoa inexorável.

Tais ilações nos levam a refletir que o poeta ao expandir o seu eu lírico em “nós”, avizinha-se das zonas de verdades universais, transpessoais de tal forma elevadas que transmitem uma sensação, senão de plenitude existencial, de um degrau mais avançado de compreensão. O canto que brota dessa cosmovisão totalizante é muito dele, poeta, mas o é também de toda a gente, de toda a humanidade. Poderíamos afirmar que há aí o fluxo de um universalismo individualista que resulta do encontro e subseqüente expressão das universais e perenes inquietações humanas, operado através da sondagem das profundezas abissais do “eu”, em direção a outro universalismo no qual o poeta está voltado integralmente no sentido de captar e expressar as perenes angústias, com a sondagem dos grandes conflitos humanos situados via de regra fora do seu “eu” mas identificáveis com ele, isto é, na medida em que o poeta delas participa em decorrência de sua inalienável condição humana, como bem definiu Massaud Moisés.

O tempo, esse senhor dos destinos, vem de priscas eras afligindo o pensamento humano. Santo Agostinho (354 – 430) fez talvez a mais importante reflexão sobre o tempo na história do pensamento. Perguntou-se ele: “Que é, pois, o tempo? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” Reflexões como essas iniciaram-se com a filosofia de Santo Agostinho e tiveram seu ápice no pensamento moderno , sobretudo em David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804). O tempo seria uma construção ou elaboração do espírito, sem existência fora dele (Sto. Agostinho) ou uma apreensão empírica regular de relações causais de antes e depois (Hume) ou uma intuição pura do espírito (Kant).

Tão fascinante e não menos desafiadora, a questão do tempo na vida humana sempre suscitou teorias filosóficas, científicas e inúmeros aportes literários. Nesses últimos ressalta a expressão particular da experiência humana do tempo, e, mais do que uma especulação filosófica ou noção científica, é uma percepção subjetiva marcada pela sensibilidade individual. O livro de poemas “Tempo do tempo”, do poeta Otávio Machado é uma verdadeira e bem sucedida síntese de como o tempo se instaura no poético. A propósito nos ocorre trecho de Alfredo Bosi - In: O ser e o tempo da poesia – ao identificar em nossos dias que “o poema aparece em nossa cultura atulhada de empecilhos como um ato de presença puro, forte, arroubado, premente. Na poesia cumpre-se o presente sem margens do tempo, tal como o sentia Santo Agostinho: presente do passado, presente do futuro e presente do presente. A poesia dá voz à existência simultânea, aos tempos do Tempo, que ela invoca, evoca, provoca.” Justamente. Em Machado, esse ato de presença premente é plural. São várias as temporalidades em que vive a consciência do poeta e que, por certo, atuam eficazmente na rede de conotações do seu discurso. Os tempos se interpenetram nos poemas aparecendo temporalidades descontínuas, ondeantes, cíclicas díspares ou mesmo rotas, ao lado da experiência histórico-social, presentes no ponto de vista cultural que tece a trama de valores de sua poética.

Estrofes do poema:“ano novo”:
...“as dúvidas e as ansiedades / somente evoluem da palavra, / como um aprendiz de tudo / observo o caminhar das horas: / como um pedreiro de sais / colhendo do próprio prumo / o equilíbrio da vida entre o / reboco e os tijolos, me elevo / ao entalhar os detalhes e / as geometrias infindas.”

O autor segue operando um encontro construtivo com o leitor atento e sensível porque toca num processo comum a ambos. O espírito humano que "sabe abrandar os intervalos da sucessão [temporal], reunir num só quadro a série variada das múltiplas figuras, manter esse quadro na representação e desfrutá-lo" conforme sugeriu Georg Hegel (1770-1831). Mesmo em face de nossa “condição pós-moderna”, na qual as identidades estão associadas a uma nova forma de temporalidade breve e superficial onde a complexidade social dá a tônica de um tipo marcado pela identidade de consumidor. Pura e simplesmente, e ainda assim, ainda há espaço para um poema como: “viagem”.

“jogos de linguagem, / um apego da memória: / compreender as falas e as crises / procurando revelar o ser, / determinando a fisionomia / do amanhã. // a memória se rende ao silêncio / buscando pela essência das coisas. // nem herói, nem vilão, / nem monstro, nem santo, / como um humano eu me basto. // em absoluta intimidade com / o vital e a expressão do meu dia.// a água do instante é a / vida indiferente ao sonho. / o espaço onde os dedos pousam / nas necessidades do corpo / em elementos essenciais / da própria palavra suspensa. // compondo o futuro / num olhar inerte que me rege: / antecedo aos ponteiros / do relógio na parede e / o jogo se antecipa mais um pouco: / no tempo do homem / mais rápido e imóvel que antes / no vento dos pássaros / eu movo o passado da história / nos sinais da viagem presente. //mas há variações do meu voo: / uma sagrada iluminação na alma.”

Enquanto categoria psicológica, o tempo na poesia lírica se faz resgate ou antecipação, memória ou espera. Resgata-se a emoção vivida, antecipa-se o momento desejado. Rompem-se as amarras da causalidade temporal física: é o primado da interioridade humana. Encarado sob diferentes ângulos, mas sempre constante, o tempo na obra de Otávio Machado, além de ser um tema “em profusão”, é recorrente também na expressão de forte drama existencial resultante dos diferentes embates entre o eu lírico e sua vivência temporal, sobretudo os relacionados à memória. Poema “quintal”.

“um sabor de manga madura / escorre pela boca. / um som de balanço range / a vida aqui dependurada. // há uma sombra pacificada / em baixo da velha árvore. / uma lembrança dos passos / um cheiro de hortelã pisada. // uma inocência atravessa o sonho / e no rosto pesa sobre mim. // em qual sol suspenso e em / quais pedaços acontecerá / um novo pensamento? //todo dia é passagem. / todo dia há uma flor / um sabor, seiva da alma. / todo dia um quintal / um cheiro de chuva. / todo dia há uma vida / e uma mão estendida: // uma sabor de manga madura dentro de uma saudade.”

O autor ameniza a angústia existencial que lhe causa a premência do tempo físico, cronológico, objetivo. Sentindo a ação inexorável do tempo, o poeta não foge ao curso do inevitável encontro com a desagregação física (a morte) e transcende o tempo em busca do Tempo. Poema “azul”:

...“esparramando assim o meu /viver no reino do tempo, / recomeçando a longa / viagem da alma: // a morte é um novo parto de mim.”

Otávio Machado deflagra o poder do Tempo na vida do ser humano, enquanto instante que ultrapassa os limites temporais socialmente impostos ou cientificamente esquadrinhados, transportando o ser para além de sua finitude e libertando-o das correntes da sucessividade. Aposta no poder temporal da palavra poética. Indiferente às especulações decorrentes de se medir o tempo, ou mesmo de defini-lo quanto à sua natureza, a poesia lírica – excelência do “eu” – o executa, vivencia, subverte, resgata, instaura e transcende. É a glorificação do instante poético – leia-se instante metafísico. E veja-se ainda a perspectiva da existência humana com suas quedas e superações, para afinal descobrir o mais ‘além’. Transcrevemos a íntegra do poema: “descoberta”.

“primeiro: / você perde a alma / nas peregrinações e / tentativas concretas.
segundo: / você sonha ser mais que a chuva, / além das químicas e / impossibilidades das esquinas.
terceiro: / você morre de medo dos ventos, / que sopram o final da noite / e te revelam as suas fragilidades.
quarto e além: / você fica à beira de si / em um abismo de artérias / de um mistério perecível.
porque olhares medem o tempo / propondo a cancela das horas / com penitências que se movem
entre os acordos com Deus.
e ainda se houvesse mesmo um final / você reencontraria a alma / intacta / de malas prontas / e passagem carimbada.”

No poema “tempo” a visada de como ele nos atravessa a existência.

“o tempo / pelos poros / pelas entranhas / se emana. // um plano / um riso / um guia // na leitura das pálpebras / ametistas são água cristalina, / um limite oceânico ancestral. // pelos embaraços / pelos pelos / o tempo / se arremata. // sem julgamentos: / o tempo do tempo.



“Labirinto” é o título do último e belíssimo poema deste livro. E não há como negar que isto nos conduz inopinadamente à lenda grega do “fio de Ariadne, termo usado para descrever a resolução de um problema que se pode proceder de diversas maneiras óbvias (como exemplo: um labirinto físico, um quebra-cabeça de lógica ou um dilema ético). É um método singular que permite seguir completamente vestígios ou assimilar gradativa e seguidamente uma verdade que a Poesia nos sugere. A concebível harmonia cósmica e suas altas expressões. Como se existisse no centro do universo e no íntimo das superiores obras, a mesma força, o mesmo impulso energético. Como se a natureza e o cosmos, enquanto conjunto de coisas e seres que a mão do homem não transformou, fosse o espelho em que a arte se mirasse para traduzir os grandes dramas da condição humana.
Poema “explícito”.

“como se eu / viesse de outra vida, / chego onde sempre estive. / como quem sempre parte / no passado que não finda. / o presente será ainda o / futuro que se confunde ao sonho. // no sabor da frase pelo céu da boca / escapo como os dedos na / liquidez da névoa vermelha – / escancarado me revelo ao mar.”

A poética de Otávio Machado colabora intimamente com a obra da Natureza, investigando relações que ela condiciona e estimula a partir de nosso esforço de compreensão. A natureza enriquece-se por certo, enriquecendo o próprio homem, e nesse intercâmbio em que o autor parece o móbil utilizado por ela para se manifestar e tornar vivas todas as suas forças potenciais. Tempo e poesia imbricam-se, fundem-se, irmanam-se, refletem-se... Da essência da lírica, emerge a temporalidade, essência do homem. Homem-poeta que subleva o tempo medido e inventa o “não-tempo”. A leitura dos poemas deixa-nos a forte impressão de estarmos a lidar com obra de valor artístico de tal forma depurado que leva-nos em direção às respostas, às indagações permanentes da humanidade e parecem expor uma esfera acima da relatividade de cada indivíduo. Não percamos mais ‘tempo’. Forçoso ler e ponderar profundamente sobre este “Tempo do tempo”.

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