Carol 20/01/2023Impressões da CarolLivro: A autobiografia de Alice B. Toklas {1933}
Autora: Gertrude Stein {EUA, 1874-1946}
Tradução: José Rubens Siqueira
Editora: Cosac Naify
288p.
Fiz esta releitura para o #projetoferranteindica, da minha amiga @alineaimme, no instagram. O quão maravilhoso foi reencontrar, pelas palavras sardônicas de Gertrude Stein, tantos escritores, pintores e ricaços excêntricos flanando por Montmartre.
Porque, meus queridos, não há nada que me revigore mais do que uma boa fofoca de artista. E quando estes artistas são do naipe de Matisse, Picasso, Hemingway, Apollinaire, Ezra Pound, a vanguarda modernista...oh là là.
Para além dos causos saborosos, "A autobiografia de Alice B. Toklas" vale por sua transgressão, apontada já no título. A relação de identidade entre a autora, a narradora e a personagem mostra-se diluída.
Stein fala de si utilizando a primeira pessoa, mas o faz por intermédio da primeira pessoa de Alice B. Toklas, sua companheira durante 25 anos. Stein fala de si como escritora através da voz de Alice.
Num outro livro, a "Autobiografia de todo mundo", Stein reafirma sua visão sui generis: "Qualquer coisa é uma autobiografia" (1983, p.9).
É esta deformação da autobiografia que atraiu Elena Ferrante. No ensaio 'Histórias, eu', presente em "As margens e o ditado" (2023, p. 78), Ferrante reflete sobre o livro de Stein:
"Toklas é a datilógrafa real dos textos de Stein, é quem a ajuda a corrigir os esboços. É, portanto - como diz o texto -, a leitora que conhece mais a fundo a escrita de Stein. E, de fato, na ficção, dá o tempo todo a impressão de corrigir, acrescentar, esclarecer, sublinhar, até o ponto em que a falsa autobiografia parece um texto que as duas mulheres escreveram, na realidade, uma ao lado da outra, uma ditando e a outra diante da máquina de escrever, fazendo pausas, relembrando, raciocinando."
"A autobiografia de Alice B. Toklas" é um livro que extrapola os limites da autobiografia. Uma autobiografia ficcional. E, sendo ficção, as possibilidades criativas se ampliam. Para mim, o mais tocante foi perceber que Gertrude sabia que sem Alice, ao seu lado, não haveria a escritora Gertrude Stein. Indicadíssimo!