A história do diabo

A história do diabo Vilém Flusser




Resenhas - A História do Diabo


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Diego 04/07/2014

os 7 pecados
Fazia tempo que eu não sentia meu cérebro ferver por causa de um livro, como está acontecendo agora enquanto leio "A história do Diabo", de Vilém Flusser, filósofo alemão radicado no Brasil.

Ele usa os 7 pecados capitais para descrever a própria história da aventura humana, que, em sua interpretação, é a História do próprio Diabo.

A tese do livro é bem interessante, Deus é pura energia, não tinha dimensão espacial nem temporal, então, Deus separou um pedaço de si mesmo e criou o Céu e a Terra, dando início assim ao Tempo e o Espaço.

Toda tentativa de transcender, superando tempo e espaço, é a busca de retornar ao divino.

Toda tentativa de se conservar no tempo e no espaço, é uma ação que foge da transcendência, logo é uma ação do Diabo.

Os 7 pecados capitais são atualizados para conceitos modernos,

O primeiro deles é a Luxúria, a roda da vida, sensual, se movendo em um mundo caótico, nos quais os seres são movidos por seus desejos, mas, eis que surge a Inibição, e a mente humana se fende, abrindo brechas para que o homem transcenda e encontre Deus.

O Diabo então, há 400 anos, concebeu um novo modo de manter a humanidade realizada, a Ira. A Ira é o movimento de oposição e guerra contra o caos de antes, é a Ciência. Ela cria leis, para poder se libertar do mundo, e com tais leis o mundo se torna uma espécie de objeto e o desejo passa a ter um alvo, se transformando em vontade. Mas a Ciência, conforme avança, percebe que embora seus mitos fundamentais pareçam objetivos, se escoram no acaso, e ao perceber isso surge uma nova brecha, uma espécie de esquizofrenia que opõe consciência e mundo, a realidade é perdida, pois só é válida quando interpretada pela mente. Isso abre uma brecha, onde o homem sente que sua liberdade é vazia e diante deste desespero pode se voltar para a fé e assim transcender.

Dentro deste clima idealista surge então a Gula, que é a técnica, através da qual o homem tenta comer o mundo natural, digerindo e transformando tudo em artefatos técnicos. Sua meta é usar a consciência para operar no mundo, e assim acabar com aquele vazio existencial da Ira. Isso faz desaparecer o mundo natural, transformando tudo em objetos, artefatos, máquinas e instituições, que, por terem sido criados pela consciência humana, são previsíveis e confortáveis. E, conforme a Gula aumenta, o tédio aumenta também, pois são eliminados as imprevisibilidades do mundo natural. Como no Facebook, onde o virtual substitui o real e as pessoas precisam consumir sempre mais e mais informações novas, sem sentirem emoções verdadeiras, mas ainda sim, na compulsão de consumirem a próxima coisa que apareça, pois querem bocados sempre maiores. O ideal é um padrão de vida crescente, portanto, uma fome crescente e um consumo sempre maior, gerando novas necessidades. Porém, conforme a técnica avança, seus artefatos começam a ficar complicados demais, o próprio progresso acelerado problematiza o pogresso, chegando a uma situação que o próprio Diabo não esperava. Além disso a perfeição da gula pode levar a um clima de solidão e humildade, fazendo mais uma vez a mente humana escapar do tempo e do espaço, ou seja, do próprio Diabo, em busca do transcendente.

Eis que o Diabo apronta mais uma, criando a Inveja (progressismo) e a Avareza (conservadorismo). Neste momento surge o conceito de Sociedade. A realidade passa a ser vista como tendo vários níveis, mas todos eles são tributários de uma realidade mais profunda, a realidade social. A inveja, Inveja dos Deuses, é a força que propele a mudança, mas, toda vez que ela se realiza, busca conservar tais mudanças, se transformando em avareza, na tentativa de impedir novas mudanças. Neste momento as descrições de Flusser lembram muito as dinâmicas de Campo propostas por Pierre Bourdieu. A natureza se torna produto da sociedade, a natureza não é "em si", mas é para a sociedade, sendo próprio produto da inveja e avareza, que evolui e se modifica com o tempo. A manifestação fenomenal da sociedade é a civilização, e ela se manifesta de duas formas, internamente, através do meu "Eu consciente" e externamente, através da civilização. Na civilização os homens buscam se engajarem em projetos de realização da própria sociedade, se movendo dentro do clima da ética. Quando se engaja tentando transformar, é um revolucionário, quando se engaja em um projeto que mantém o que já existe, é um conservador. Os troianos são maus em vista dos gregos e vice-versa. Este processo leva a ética a uma automaticidade e faz ruir todos os valores, deixando o Diabo regozijado. O homem tem apenas duas alternativas, pode tomar partido, sendo revolucionário ou conservador, tanto faz, tornand-se vítima da ilusão que a própria sociedade desmente, e assim abraçando o Diabo. Ou pode não tomar partido, caindo no desespero cinzento da relatividade da ética ou chegando ainda a um oportunismo esclarecido. Em ambos os casos, também abraça-se o Diabo. Mas, a inveja e a avareza trazem um novo elemento para o pensamento, além de mundo e consciência, surge o valor, e com isso o Diabo conseguiu tornar os valores relativos, mas eis que aparece um outro rasgo nas estratégias do Diabo, e diante da confusão da relatividade dos valores, deflagra uma vivência violenta, melhor representada pelo amor ao próximo como uma forma de amor a Deus, aparece assim o Bem absoluto e o oportunismo se transforma em contrição.

Já na manifestação interna, ou seja, no "Eu consciente", o projeto de civilização se constroi a partir da conversação (algo que me lembrou Maturana). A conversação é um tecido, usando palavras para ligar intelectos. A palavra é formada pela inveja e pela avareza (algo que lembra o conceito de filologia apresentado por Said). A inveja se manifesta das palavras, e a avareza na gramática, normatizando as palavras em frases. Quando escrevo, quero mudar a outros, estou agindo sob o signo da inveja, quando leio, quero aumentar e consolidar a substância de meu intelecto, isso é expressão da minha avareza. A meta da conversação é minha imortalidade. Quando articulo frases neste sentido, estou empenhado em conversação autêntica, caso contrário, caio na conversa fiada. Toda conversação autêntica, quando se desgasta, se transforma em conversa fiada. Sou eu mesmo, se estiver ciente da morte e tentando superá-la, estou em uma conversa autência, caso contrário, meu intelecto está operando no clima da conversa fiada. A conversa autêntica se projeta em múltiplas camadas, cada uma regida por um mito diferente, na atualidade, há a conversação científica, regida pelo mito do sujeito, distantes, que tem o mundo como objeto, e sua meta é a superação da morte através do conhecimento absoluto.

A conversa fiada é o decaimento em chavões, preconceitos, é a pseud-articulação da sociedade desestruturada e decaída em massa. Esta é a meta do Diabo, por causa da conversa fiada que o Diabo criou a conversação. A confersa fiada é a conversação sem assunto, quando os intelectos estiverem imortalizados, eles chegam a este estágio, onde o homem é libertado de qualquer esforço. E chegando a este estágio, a mente humana pode se alienar da sociedade, e perder a proteção que a sociedade lhe dá contra o transcendente, ou pode ainda ir pelo caminho de um outro pecado, a Soberba.
Cinthia 18/03/2018minha estante
Intetessadissima! ?


Cinthia 18/03/2018minha estante
Interessante! ?




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