aarrgh 22/08/2015
Para quem não conhece o canal de Alain de Botton no YouTube, vale a pena se inscrever. Na opinião do idealizador do The School of Life, assim como estudamos para exercer uma profissão, devemos aprender a como nos relacionar com as pessoas, como aproveitar os pequenos prazeres, como lidar com a ansiedade de status etc. Para ele, universidades não deveriam ser divididas em “História”, “Literatura”, Filosofia”, mas sim em departamentos que abordam assuntos de relevância para nossa vida, como o autoconhecimento, ou como ser mais compassivo. Isso erradicaria o tipo de pergunta que todo mundo faz na escola: “para que vou usar balanceamento de equações na minha vida?” É claro que uma escola assim também erradicaria a produção de novos conhecimentos, mas não vamos nos ater a isso. A intenção não é substituir as universidades tradicionais, mas sim complementar esse aspecto da sociedade que é muitas vezes negligenciados nas escolas.
E isso pode ser feito a partir da cultura. Para de Botton, a cultura pode e deve ser usada como terapia. Ele deve discorrer mais sobre isso no Arte como terapia, que ainda não li, mas neste vídeo, em que responde a pergunta para que serve a literatura, temos uma ideia bem clara do que ele quer dizer:
(Clique aqui para assistir com legendas.)
Em um dos capítulos do livro, o autor fala sobre um ensaio de Proust, sobre um rapaz insatisfeito com as coisas triviais e feias que estavam a sua volta no apartamento dos pais. Ele desejava coisas belas e caras que via no Louvre. A solução de Proust seria apresentá-lo aos quadros de Chardin, para abri-lo os olhos para que pudesse ver que as coisas que estavam a sua volta, apesar de triviais, poderiam ser belas. A interpretação de de Botton: muitas vezes a causa de nossa insatisfação com nossa vida deriva da nossa incapacidade de olhar apropriadamente para ela.
Essa pintura me lembra de outra passagem, em que um livro de memórias sobre Proust escrito por um amigo seu fala como o escritor encontrava nos quadros que observava pessoas conhecidas, relacionando a arte com sua própria vida. Ao assistir o documentário da BBC Ways of Seeing, John Berger fala como as crianças (antes de serem ensinadas a ver a arte como algo ininteligível e sem propósito), da mesma forma que Proust, conectam imagens à sua própria experiência. Num quadro de Caravaggio, uma figura que parece ser Jesus aparenta estar falando com um dedo levantado com outros quatro homens, ao redor de uma mesa com comida; para uma das crianças, a comida deve ter sido roubada, e estão discutindo se seria certo comer.
No capítulo Como expressar suas emoções, o autor fala como Proust se irritava quando as pessoas inseriam palavras em inglês na fala, quando existia um substituto perfeitamente apropriado em português francês (ainda bem que isso é coisa do passado؟). Proust sentia gastura com clichês do tipo “a lua está linda hoje”; por que não: a lua parece “uma atriz que ainda não está na hora de entrar em cena e que, da plateia, em toalete comum, olha um momento suas camaradas, apagando-se, indesejosa de chamar a atenção”? Alain de Botton observa que o uso de clichês é uma necessidade de soar como outra pessoa. E embora possamos ser incapazes de nos expressarmos dessa maneira, o importante é se expressar de sua própria maneira, e não achar que os clichês são a expressão máxima de alguma coisa. O filme não é bom porque é “massa”, o livro não é bom porque “os personagens são totalmente cativantes” ou “o autor escreve bem”.
Neste vídeo, Stephen Fry critica as pessoas que corrigem o português dos outros só por corrigir o português dos outros e não por apreciar a linguagem; ele traz de volta esse assunto da originalidade de expressão. Ele fala que hoje em dia, apesar da recomendação de Proust, as pessoas que se expressão de forma diferente e inovadora, geralmente são zombadas, ou querem “se achar”. Não sei qual é a linha que divide “querer soar como os outros” e “ser original ao se expressar”, mas ela parece ser muito tênue.
Essas são apenas algumas coisas que me chamaram atenção no livro (tem muito mais). Marcel Proust queria escrever livros que fizessem tanto pelas pessoas quanto os livros de seu pai, um médico que ajudou a erradicar a cólera na França. Alain de Botton apresenta a vida e obra de Proust, mas o título bem poderia ser “Como a literatura pode mudar sua vida”. Não importa a superficialidade do livro (quero dizer, é muito curto), me deixou com uma vontade imensa de ler Em busca do tempo perdido.
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