Gramática Expositiva do Chão

Gramática Expositiva do Chão Manoel de Barros




Resenhas - Gramática Expositiva do Chão


6 encontrados | exibindo 1 a 6


Naty__ 23/01/2023

Essa obra de Manoel de Barros foi publicada pela primeira vez em 1969, escrita em verso e em prosa poética. O diferencial dessa edição é que inclui prefácio “A urgência de um poeta para o chão” da escritora Clarice Freire, também conta com fotografias e documentos do autor.

“Mais fácil ver brilho numa estrela do que em caracol. Mas há brilho nos dois. Um é quente e explosivo, o outro se arrasta como um cometa que não tem pressa.”
– Clarice Freire, no prefácio.

“Preste atenção ao vocabulário de Manoel de Barros.
Ele está aqui não porque precisa, mas por vocação.
E permanece por amor.”
– Clarice Freire, no prefácio.

"O chão reproduz
do mar
o chão reproduz para o mar
o chão reproduz
com o mar

O chão pare a árvore
pare o passarinho
pare a
rã - o chão
pare com a rã
o chão pare de rãs
e de passarinhos
o chão pare
do mar

O chão viça do homem
no olho
do pássaro, viça
nas pernas
do lagarto
e na pedra"

Dá pra ler a obra em uma hora. É leve e reflexiva. A natureza é a base para seus escritos, as coisas pequenas que muitas pessoas sequer se preocupam em observar. Somado a isso suas poesias contém críticas que faz o leitor pensar.

Para quem gosta de poesias, sem dúvidas é uma ótima pedida. Se você não tem o hábito de ler o gênero, dê uma chance. Comece pelos mais leves e em seguida vá aprofundando. Certeza que vai curtir.

Curiosidade:
Seu livro foi premiado com Prêmio Nacional de Poesia e Prêmio da Fundação da Cultura do DF.

site: http://www.revelandosentimentos.com.br/2023/01/livro-gramatica-expositiva-do-chao.html
comentários(0)comente



Alexandre Kovacs / Mundo de K 20/01/2023

Manoel de Barros - Gramática expositiva do chão
Editora Alfaguara - 88 Páginas - Capa e projeto gráfico de Regina Ferraz - Imagem de capa de Martha Barros - Lançamento original: 1969 / Relançamento: 2022.

Este é quinto livro de poemas de Manoel de Barros (1916-2014), o nosso grande mestre da desimportância, como costumo nomeá-lo, um homem que tinha um jeito diferente de ver o mundo a partir de um talento nato para enxergar as coisas simples da natureza. O prefácio da escritora Clarice Freire define muito bem a essência da poesia de Manoel de Barros: "santuário das coisas invisíveis", ou ainda mais certeira quando afirma: "Mais fácil ver brilho numa estrela do que em caracol. Mas há brilho nos dois. Um é quente e explosivo, o outro se arrasta como um cometa que não tem pressa. O caracol é mais antes que depois, por isso carrega a calma que não se entende longe do solo."

Nesta obra, prosa e poesia se confundem para formar uma grande celebração de tudo aquilo que vem do chão, simplicidade que também esconde uma forma de crítica social, em uma época na qual não havia crítica social, mas o poeta já alertava em sua tela: "tudo muito manchado de pobreza e miséria que se não engana é da cor encardida entre amarelo / e gosma". Enriquecem esta edição fotografias e documentos do acervo pessoal de Manoel de Barros, um daqueles poetas que devem ser lidos e relidos sempre: "O poeta é promíscuo dos bichos, dos vegetais, das pedras. Sua gramática se apoia em contaminações sintáticas. Ele está contaminado de pássaros, de árvores, de rãs".

I. PROTOCOLO VEGETAL

1.

Trata de episódio que veio a possibilitar a descoberta de um caderno de poemas

Prenderam na rua um homem que entrara na prática do limo

lista dos objetos apreendidos no armário gavetas buracos de parede, pela ordem: 3 bobinas enferrujadas 1 rolo de barbante 8 armações de guarda-chuva 1 boi de pau 1 lavadeira renga de zinco (escultura inacabada) 1 rosto de boneca – metade carbonizado – onde se achava pregado um caracol com a sua semente viva 3 correntes de latão 1 caixa de papelão contendo pregos ruelas zíperes e diversas cascas de cigarras estouradas no verão 1 caneco de beber água 1 boneco de pano de 50 centímetros de altura com inscrições nas costas "O FANTASMA DE OLHOS COSTURADOS" 2 senhoras da zona (esculturas em mangue) 29 folhas de caderno com escritos variados sob os títulos abaixo:
a - 29 escritos para conhecimento do chão através
de São Francisco de Assis
b - protocolo vegetal
c - retrato do artista quando coisa
d - a criatura sem o criador
e - você é um homem ou um abridor de lata?

e mais os seguintes pertences de uso pessoal:
o pneu o pente
o chapéu a muleta
o relógio de pulso
a caneta o suspensório
o capote a bicicleta
o garfo a corda de enforcar
o livro maldito a máquina
o amuleto o bilboquê
o abridor de lata o escapulário
o anel o travesseiro
o sapo seco a bengala
o sabugo o botão
o menino tocador de urubu
o retrato da esposa na jaula
e a tela

5.

Antissalmo por um desherói

a boca na pedra o levara a cacto
a praça o relvava de passarinhos cantando
ele tinha o dom da árvore
ele assumia o peixe em sua solidão

seu amor o levara a pedra
estava estropiado de árvore e sol
estropiado até a pedra
até o canto
estropiado no seu melhor azul
procurava-se na palavra rebotalho
por cima do lábio era só lenda
comia o ínfimo com farinha
o chão viçava no olho
cada pássaro governava sua árvore

Deus ordenara nele a borra
o rosto e os livros com erva
andorinhas enferrujadas

II. O HOMEM DE LATA

O homem de lata
arboriza por dois buracos
no rosto

O homem de lata
é armado de pregos
e tem natureza de enguia

O homem de lata
está na boca de espera
de enferrujar

O homem de lata
se relva nos cantos
e morre de não ter um pássaro
em seus joelhos

O homem de lata
traz para a terra
o que seu avô
era de lagarto

o que sua mãe
era de pedra
e o que sua casa
estava debaixo de uma pedra

O homem de lata
é uma condição de lata
e morre de lata

O homem de lata
tem beirais de rosa
e está todo remendado de sol

O homem de lata
mora dentro de uma pedra
e é o exemplo de alguma coisa
que não move uma palha

O homem de lata
é um iniciado em abrolhos
e usa desvio de pássaro
nos olhos

No homem de lata
amurou-se uma lesma
fria
que incide em luar

Para ouvir o sussurro
do mar
o homem de lata
se inscreve no mar

O homem de lata
se devora de pedra
e de árvore

O homem de lata
é um passarinho
de viseira:
não gorjeia

Caído na beira
do mar
é um tronco rugoso
e cria limo
na boca

O homem de lata
sofre de cactos
no quarto

O homem de lata
se alga
no Parque

O homem de lata
foi atacado de ter folhas
e se arrasta
em seus ruídos de relva

A rã prega sua boca
irrigada
no homem de lata

O homem de lata
infringe a lata
para poder colear
e ser viscoso

O homem de lata
empedra em si mesmo
o caramujo

O homem de lata
anda fardado de camaleão

O homem de lata
se faz um corte
na boca
para escorrer
todo o silêncio dele

O homem de lata
está a fim
de árvore

O homem de lata
é um caso
de lagartixa

O homem de lata
é resto anuroso
de pessoa

O homem de lata
está todo estragado
de borboleta

O homem de lata
foi marcado a ferro e fogo
pela água.

Sobre o autor: Manoel de Barros (1916-2014) nasceu em Cuiabá, mas foi criado numa fazenda próxima a Corumbá. Começou sua educação num internato em Campo Grande e, aos doze anos, foi matriculado no Colégio São José, no Rio de Janeiro – cidade onde viveu por trinta anos. Em 1937, publicou seu primeiro livro de poesia, Poemas concebidos sem pecado. Viajou pela Europa, estudou cinema e arte em Nova York. Em 1958, mudou-se com a mulher, Stella, e os três filhos para o Pantanal. Viveu um período de intensos e rústicos trabalhos para formar a fazenda; por isso, durante quase dez anos, pouco se dedicou à literatura. Nos anos 1960, vivendo em Campo Grande, foi premiado pelo livro Compêndio para uso dos pássaros e, na década de 1970, voltou à cena literária com Matéria de poesia. No início dos anos 1990, sua obra poética foi reunida no volume Gramática expositiva do chão (Poesia quase toda). A partir de então, conquistou vários prêmios importantes, como o APCA, o Jabuti e o Nestlé de Literatura. Nos anos 2000, sua obra foi publicada em Portugal, recebeu prêmios internacionais e foi traduzida para vários idiomas.
comentários(0)comente



Anderson 15/12/2022

Creio que uma primeira leitura, para quem, como eu, não tem ainda muito conhecimento da poesia de Manoel de Barros, seja algo árduo, seja pela tentativa inevitável de compreender o texto, seja mesmo por integrar-se ao estilo do poeta. Ainda assim, é interessante notar como Manoel tirou das "coisas miúdas" matéria para uma obra poética tão elaborada.
comentários(0)comente



Vitoria 18/06/2022

Eu, os poemas, e a dificuldade de ler com pausas
Um livro, belo, burilado palavra a palavra.

Uma leitora voraz, acostumada a ler em linha reta, que acha difícil olhar o pneu o pente o chapéu a muleta o relógio de pulso e todas as outras coisas que O Poeta recolheu cuidadosamente do chão.
comentários(0)comente



Adriana Scarpin 20/04/2016

Palavras de Lúcio Ayres Fragoso, professor de física em São Paulo, compadre do preso, a título de esclarecimento à Polícia
"para começar ninguém jamais garantiu que coisa era aquele bicho

o mal-traçado?
o trintão dorminhoco?
o irmão desaparecido de Chopin?
o homem de borracha?

conheci-o
em seu escritório
jogando bilboquê

era sempre arrastado para lugares com musgo
por meio de ser árvore podia adivinhar se a terra
era fêmea e dava sapos

via o mundo como a pequena rã vê a manhã de
dentro de uma pedra

pela delicadeza de muitos anos ter se agachado
nas ruas para apanhar detritos - compreende
o restolho

a esse tempo lê Marx

tem mil anos

tudo que vem da terra para ele sabe a lesma

é descoberto dentro de um beco
abraçado no esterco
que vão dinamitar

antes de preso fora atacado por uma depressão mui
peculiar que o fizera invadir-se pela indigência: uma de pressão tão grande dentro dele como a ervinha rasteira
que num terreno baldio cresce por cima de canecos enferrujados pedaços de porta arcos de barril...

era de profissão "encantador de palavras"

ninguém o reconheceria mais

resíduos de Raskolnikof encardiam sua boca de
Pierrô muito comida de tristeza

e sujo"
comentários(0)comente



Bia 05/05/2014

Chão
A poética do Manoel, carinhosamente Maneco (pra mim), é fascinante.
Ele coloca a dor do "poeta" (pessoa/ser) e a coloca no solo, na busca das coisas miúdas, naturais. Faz o ser achar nelas uma busca narrativa nova que não seja a dor.
Os contos são singelos e cheios de ensinamentos sábios sobre as insignificâncias da coisas, ele as desforma, as compõe de maneira leve e bela.
Destaco o penúltimo conto (estou sem o livro no momento), pois exorta o descrito acima. Um belíssimo diálogo do poeta com os seres sobre o amor, a dor, a dificuldade de recomeçar a escrever . Em tudo há poesia da mais nobre, do maior valor.
Encantada.

Bia Cunha
comentários(0)comente



6 encontrados | exibindo 1 a 6


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR