Toni 18/04/2024
Leituras de 2023
Memórias inventadas
Manoel de Barros (1916-2014)
Alfaguara, 2018, 110 p.
A presente edição de “Memórias inventadas” reúne um projeto dividido em 3 breves obras publicadas pelo autor em 2003, 2006 e 2008 — “Primeira Infância”, “Segunda infância” e “Terceira infância”. Fugindo um pouco do formato em versos — ainda que se possa alegar que o resgate de memórias da infância seja sempre um gesto de poesia — o livro reúne pequenas histórias que, nas palavras do escritor, “foram inventadas para contar uma vida que idealizei para o poeta” (p. 82). Dando continuidade ao seu projeto poético de “despraticar as normas”, “desfazer o normal” e “jogar pedra na Razão”, e ciente de que “as palavras me inventam”, Barros propõe um deslocamento também do que se entende por uma “escrita de si” e nos lança aos pés logo à entrada do livro: “Tudo que não invento é falso”.
A cada novo encontro com Manoel de Barros, saio convencido de que a leitura mais recente seja talvez sua profissão de fé mais paradigmática. Não foi diferente quando li “O livro das ignorãças” e “Matéria de poesia”. Não será diferente com estas memórias, acrescido da certeza de que este seu livro esteja, com efeito, mais perto do coração selvagem. Isso porque, para o poeta, pensar a infância é pensar num tempo em que “tinha mais comunhão com as coisas do que comparação”. E essa comunhão se dá de tal maneira que, ao fim e ao cabo, conclui: “Eu não sei nada sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as pequenas eu sei menos.”
Guiado por uma visão telúrica, Barros logra nos apresentar a criança como mestra da pessoa adulta, como aquela que, ao contrário do que se poderia supor, é quem leva o poeta pela mão e lhe escreve a história e seus poemas. No trecho que encerra o livro, esta síntese é mais que evidente: “Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. [...] Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e as árvores." Leiam o Manoel, gentes.