Jessica 15/06/2020Obrigada por tudo mais uma vez, Suzanne Collins.The Ballad of Songbirds and Snakes se passa no ano da décima edição dos Jogos Vorazes e acompanha um jovem Coriolanus Snow no último ano da Academia de Panem, escola de prestígio da Capital. Os responsáveis pelos Jogos estão insatisfeitos com a baixa audiência e interesse da população e resolvem fazer uma espécie de projeto valendo nota com os alunos do último ano da Academia. Cada um deles será mentor de um dos tributos, e eles também devem ter ideias para aumentar o engajamento da população.
O prestígio e a condição financeira da família Snow já não são mais os mesmos, então Coriolanus precisa da vitória nos Jogos para se provar. A sorte não parece estar a seu favor quando ele é escolhido como mentor da garota do Distrito 12 — humilhante para um Snow —, mas, além de estar disposto a fazer qualquer coisa para vencer, ele começa a se afeiçoar à hipnotizante Lucy Gray Baird.
Acho que talvez a coisa mais importante a se dizer sobre o livro é que atinge o equilíbrio muito difícil de humanizar o Snow sem fazer com que ele pareça bom. A maior parte dos fãs ficou apreensiva quando soube quem seria o protagonista, com medo de a história ser meio avulsa ou humanizar demais o personagem, mas Suzanne Collins não nos traria de volta a esse universo para nos decepcionar. Não, Suzanne Collins nunca faria isso.
Desde o começo, somos apresentados ao jovem Coriolanus como alguém egoísta, manipulador, ambicioso e orgulhoso que enfrentou sofrimento e grandes perdas na guerra e no pós-guerra. A família respeitada e tradicional perdeu tudo e mal tem o que comer, mas, ainda assim, ele se vê como alguém muito superior a qualquer um que venha dos distritos e se esforça para manter as aparências. Tão inteligente e carismático quanto possessivo e sedento pelo poder a qualquer custo, como já imaginávamos que ele seria.
Às vezes nos pegamos torcendo por ele — e nos culpando logo depois, porque já o conhecemos o suficiente para não confiar nele. Em vários momentos, ele toma decisões que mostram traços do personagem que conhecemos do futuro. O primeiro problema é que a maior parte das pessoas ao redor dele, com exceção de alguns colegas e a prima Tigris (sim, aquela Tigris), é ainda mais horrível. E extremamente cruel. O segundo problema se chama Lucy Gray Baird, tributo e aliada de Coriolanus. Se queremos torcer por Lucy, inevitavelmente torcemos para uma espécie de sucesso dos planos de Coriolanus. Entre os colegas, fica o destaque para Sejanus, que, com ótimos motivos, talvez seja o favorito de todo mundo ao fim da leitura.
O livro tem ritmo e estilo bem diferentes da trilogia original, especialmente devido à mudança de foco narrativo: em terceira pessoa, com foco em Snow. Boa parte dele se dedica a mostrar o próprio funcionamento dos jogos na época, bem diferente do que conhecíamos antes, e a dilemas filosóficos, principalmente da natureza humana. Os seres humanos são inerentemente bons? São inerentemente violentos? Existe algo que desperta o pior em nós? O que é preciso para manter o controle? O que nos diferencia uns dos outros?
Aliás, achei The Ballad of Songbirds and Snakes bem mais pesado, brutal e incômodo que a trilogia, que já não é leve. Também achei fascinante como expansão do universo, explicando melhor ou até mudando completamente algumas coisas que conhecíamos. Como bem disse a Iris Figueiredo lá no Goodreads e eu não saberia descrever melhor com minhas próprias palavras, “esse é um livro sobre o amadurecimento dos jogos como instrumento de controle”. E mostra como o Snow é peça essencial nesse amadurecimento.
Todo o último ato foi especialmente surpreendente. Não vou desenvolver por motivos óbvios, mas há uma espécie de mudança de chave. Em vários momentos, dá vontade de gritar, seja de ódio, de surpresa, de medo ou até de “como eu só me dei conta disso agora?”.
Existe muito a ser dito que seria spoiler. Teremos tempo para isso no futuro. Por enquanto, basta dizer que este é um livro que você termina com vontade de reler a trilogia original e rever os filmes atrás de cada detalhe que possa ter perdido. Foi isso que as minhas amigas fizeram, e acho que é isso mesmo que vou fazer agora.
Que experiência. Obrigada por tudo mais uma vez, Suzanne Collins.
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