Alessandro232 04/01/2020
Um clássico que redefiniu o modo de ler e fazer histórias em quadrinhos
"Moonshadow" é uma graphic novel que mudou a maneira de se produzir histórias em quadrinhos nas grandes editoras norte-americanas -Marvel e DC, respectivamente-, durante os anos oitenta. Por isso, a sua publicação possibilitou o surgimento de outras obras importantes, tais como "Sandman" e "Liga Extraordinária", somente para citar algumas que trouxeram para as hqs novas e importantes inovações estéticas e no uso de recursos narrativos.
O roterista J. M. Demattis em seu "conto de fadas para adultos" explora com muita sensibilidade, temas bastante complexos, "literários" e ás vezes difíceis de serem abordados em formato de hq, tais como: a solidão, o abandono material, a morte, a insanidade, os horrores e traumas de guerra, a importância da memória, o despertar sexual e, principalmente a busca pelo sentido da vida - que aparece de maneira destacada em "Blood", outra obra do mesmo autor lançada pela PN.
Também em "Moonshadow",Demattis faz várias críticas a sociedade de consumo, ao autoritarismo a a hipocrisia religiosa. Por isso, sua leitura não é muito fácil e exige-se um pouco de paciência do leitor, que encontra aqui um bom material para reflexão sobre questões sociais, filósoficas, e até mesmo metafísicas sobre a condição humana.
Além disso, o enredo de "Mooshadow" é construído e cheio de referências a vários clássicos da literatura universal tanto em prosa como poesia. Em sua narrativa metaficcional e com várias camadas de significados, essa graphic novel faz uma espécie de cruzamento entre "David Copperfield", de Charles Dickens - sua principal referência-, com "Matadouro Cinco", de Kurt Vonnegott, space operas e outras obras da literatura fantástica. É por ter suas origens em obra de Dickens, que "Moonshadow" pode ser considerado uma espécie de romance de formação em forma de quadrinhos, assim como em seu enredo mirabolante estão reproduzidas as várias etapas mesmo que ás avessas da chamada "jornada do herói".
A obra também tem seu ponto forte na incrível arte aquarela de John Muth. Muth cria imagens pictórias de grande impacto visual que enchem os olhos do leitor, de rara beleza com a colaboração de outros dois artistas gráficos igualmente talentosos: George Pratt e Kent Williams, que também ilustrou "Blood" .
Com um narrativa irônica, lírica e ás vezes comovente, na qual se destaca a "voz" de seu protagonista cativante e inesquecível, "Moonshadow" é um clássico entre as chamadas "graphic novels" . Trata-se sem dúvidas, de uma obra que foge do estilo convencional e causou uma ruptura na maneira de se produzir e fazer hqs nos anos oitenta nos USA.
"Moonshadow" é mais indicada para aqueles que gostam de quadrinhos com uma "pegada" mais artística. Agora publicada pela PN, essa nova edição é muito caprichada, com um tratamento gráfico que a obra merecia há muito tempo. Ela é uma cópia fiel da norte-americana lançada pela Darkhorse e tem uma ótima tradução de Erico de Asssim que conseguiu captar nela as nuances do texto irônico e inteligente de Demattis. Além de compilar as doze edições da mini-série e de vários extras que descrevem as fases do processo de criação da obra, também temos o acréscimo de "Adeus, Moonshadow', uma graphic novel que mistura texto e ilustrações para narrar eventos que se passam depois da adolescência do protagonista e conclui sua narrativa com um desfecho que para mim é um dos mais bonitos e comoventes que já vi na nona arte.
"Moonshadow" é um clássico e uma obra-prima que redefiniu o conceito de quadrinhos. Vale muita a pena sua aquisação!