Leonardo 13/02/2012
Uma carta de amor à Literatura
Resenha em duas partes: quando comecei o livro e depois que terminei.
Disponivel em http://catalisecritica.wordpress.com/
Inicio da leitura (04/02/2012):
Comecei hoje a ler um dos livros mais elogiados dos últimos anos (a revista Time chegou a colocá-lo na lista dos 100 melhores romances de todos os tempos!). A minha vontade de ler o livro era sempre arrefecida pelo fato de eu ter visto o filme (muito bom, na minha opinião) e, consequentemente, saber do grande segredo revelado no final. Senti-me triste por não ter lido o livro antes, já que muito provavelmente a revelação, literária por natureza, teria muito mais impacto em mim sendo lida.
Aproveitei uma promoção do tipo compre dois e leve três numa livraria local e comprei a edição da foto acima. Estou no início ainda (cerca de 15% do livro), mas já encontrei algumas passagens dignas de nota para quem ama a literatura.
Antes de chegar a elas, entretanto, cumpre esclarecer que Atonement (algo como expiação, reparação) narra a história de Briony Tallis, menina de 13 anos que aspira ser escritora e que, por um erro, acaba provocando trágicas mudanças na vida de diversas pessoas, especialmente o casal de enamorados Cecilia, sua irmã mais velha, e Robbie, o filho da empregada da família.
Não vou comentar nada a partir do que vi no filme. Serei fiel ao meu avanço na leitura. Pude perceber, por exemplo, a preocupação e habilidade de Ian McEwan, escritor inglês, em apresentar perfis psicológicos das personagens, especialmente Briony, menina sonhadora, inocente e platonicamente apaixonada pelo irmão mais velho Leon. O escritor utiliza-se o tempo todo do famoso “discurso indireto livre” tão falado por James Wood, falando pela boca das personagens enquanto disfarça-se de narrador onisciente.
Voltando às frases, lembro que Briony quer ser escritora, e esse pensamento ocupa boa parte dos seus pensamentos (ao menos durante as primeiras cinquenta páginas). Eis uma belíssima e inspiradora reflexão sobre a criação de mundos que é escrever (não disponho da edição traduzida e não ousarei traduzir…):
“A world could be made in five pages, and one that was more pleasing than a model farm. The childhood of a spoiled prince could be framed within half a page, a moonlit dash through sleepy villages was one rhythmically emphatic sentence, falling in love could be achieved in a single word – a glance.”
Agora uma passagem fantástica sobre a relação de cumplicidade que se estabelece entre o escritor e o leitor. Denota até mais do que cumplicidade até, alcançando uma espécie de controle por parte do escritor, que “envia” pensamentos e imagens independentemente da vontade de quem lê:
“It seemed so obvious now that it was too lat: a story was a form of telepathy. By means of inking symbols onto a page, she was able to send thoughts and feelings from her mind to her reader’s. It was a magical process, so commonplace that no one stopped to wonder at it. Reading a sentence and understanding it were the same thing; as which the crooking of a finger, nothing lay between them. There was no gap during which the symbols were unraveled. You saw the word castle, and it was there, seen from some distance, with woods in high summer spread before it, the air bluish and soft with smoke rising from the blacksmith’s forge, and a cobbled road twisting away into the green shade…”
Termino (07/02/2012):
Terminei esta madrugada a leitura deste livro fantástico. Uma das maiores habilidades de Ian McEwan, ao meu ver, é como ele se preocupa em preparar o terreno (e sabe como fazer). O livro poderia ter sido escrito como uma novela de oitenta páginas, não tenho dúvidas disso. Não que haja desperdício, pelo contrário, é McEwan preparando a armadilha. Lamento muito, muito mesmo não ter lido o livro antes de ter assistido ao filme. Tentei, sem sucesso, emular o que seria meu espanto ao ler as duas últimas páginas do romance sem saber como terminava o filme. Atonement é um louvor à literatura, ao poder que têm as palavras, ao poder que tem o escritor:
“How can a novelist achieve atonement when, with her absolute power of deciding outcomes, she is also God? There is no one, no entity or higher form that she can appeal to, or be reconciled with, or that can forgive her. There is nothing outside her. In her imagination she has set the limits and the terms. No atonements for God, or novelists, even if they are atheists. It was always an impossible task, and that was precisely the point. The attempt was all.”
Ian McEwan tem tanto domínio da técnica literária que demonstra a evolução da escrita de Briony. Em um determinado momento ela está impressionada com As Ondas, de Virginia Woolf, e pensa que ter alcançado um novo patamar em sua própria escrita:
“The age of clear answers was over. So was the age of characters and plots. [...]If only she could reproduce the clear light of a summer’s morning, the sensations of a child standing at a window, the curve and dip of a swallow’s flight over a pool of water.”
Ao longo do livro, McEwan (ou Briony) brinca com os detalhes realistas para melhor compor sua mentira. O mais interessante é como ele é bem sucedido nesta tarefa. Nós nos preocupamos com um estilhaço de granada na perna de alguém ou com uma única bomba que um determinado avião pode soltar; enchemo-nos de esperança com um encontro auspicioso com uma cigana e com uma despedida amarga numa estação; prestamos toda a atenção ao modo como alguém dobra uma toalha ou mastiga sua parca ração em silêncio. Mas, como escreve Briony, na mais bela passagem do livro (contém spoiler, não leia se não leu o livro ou não viu o filme):
“I know there’s always a certain kind of reader who will be compelled to ask, But what really happened? The answer is simple: the lovers survive and flourish. As long as there is a single copy, a solitary typescript of my final draft, then my spontaneous, fortuitous sister and her medical prince survive to love.”