Quarenta

Quarenta Sérgio Fantini




Resenhas - Quarenta


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 03/08/2019

Sérgio Fantini - Quarenta
Editora Pulo - 114 Páginas - Projeto Gráfico e Capa de Jão sobre fotos de Ricardo Laf - Lançamento: Maio/2019.

Era uma vez uma época, antes da internet e redes sociais, na qual os recursos de autopublicação e divulgação eram praticamente inexistentes fora do circuito das grandes editoras. Durante a década de 1970, muita poesia foi publicada por meio de fanzines ou em pequenas edições de baixo custo, datilografadas e mimeografadas, o que permitiu a circulação de textos originais e o surgimento de um movimento que passou a ser conhecido como geração mimeógrafo, ou poesia marginal, por ter se desenvolvido à margem do sistema de publicação tradicional.

O poeta mineiro Sérgio Fantini foi um desses desbravadores da poesia marginal no Brasil e este livro resgata quarenta anos da sua produção poética desde 1979, com uma seleção de poemas de seus oito livros e memórias sobre uma época pré-internet que acaba se confundindo com a história do nosso país nas quatro últimas décadas. Fica flagrante, ao longo da leitura, o amadurecimento da técnica em cada livro, mas a emoção sempre esteve lá, pulsando em cada verso, desde a primeira publicação, No lar dos inseguros (1979): "Eu grito. / Meu grito é mudo / e todos somos uma só mudez. / Somos mudos e encarnamos o silêncio. / Um silêncio bastante parecido com a estupidez."

Tenho vontade de morrer
cada vez que não te tenho
e minto
achando belo o que é feio
e achando linda essa saudade

Tenho vontade de morrer
cada vez que não te tenho
e sinto
sinto muito mesmo não te ter
e penso se a vida não seria mais colorida
se você estivesse comigo

Tenho vontade de morrer
cada vez que não te sinto
e tenho que relembrar
que já tive um dia
você em meus braços

(Tínhamos o vento
companheiro incansável
que penteou tantas vezes
e por tantos caminhos
nossos cabelos)

Quero morrer toda vez que não te tenho
e essa saudade me machuca a todo instante
– saudade de você

Quero morrer sempre que não te tenho
porque essa saudade vem como pedra
e atinge em cheio minha cabeça
porque essa cantiga vem como faca
e rasga profundo meu coração

Tudo fica como é
eu não te tenho e morro
e morro toda vez que não te tenho

As novas gerações de poetas ganham, portanto, uma boa oportunidade de conhecer um pouco mais sobre esse tempo romântico no qual escrever e divulgar poesia era ainda mais difícil do que é hoje. O próprio Sérgio Fantini explica o processo de divulgação boca a boca na introdução, A estrada da poesia (até aqui chegamos): "Até 1982, os leitores recebiam com prazer e surpresa a novidade que éramos levando-lhes nossos livros autorais, mas, com a chegada às ruas de poetas que tinham com esse público uma relação apenas comercial e inamistosa, o acolhimento se perdeu. Passei a fazer uma quantidade menor de exemplares sem a preocupação de vendê-los. Isso significou abandonar uma prática quase diária de sair de casa com uns vinte livros na capanga e rodar bares do Maletta no Centro, filas de cinema e teatro. Não havia lucro, o máximo que conseguia era pagar algumas cervejas ou garimpar sebos no dia seguinte. Porém, melhor que cervejas e livros era o contato com as pessoas. [...]"

O poema Depoimento, incluído no livro Bakunin, publicado em 1983, representa muito bem esse espírito do poeta maldito que escreve versos tão lindos quanto: "Quero ser sincero / como a lua que nunca é igual / mas é sempre a mesma." para concluir com a provocativa e perturbadora declaração: "Não tenho classe, moral, educação / e se entrei no sistema, foi sem querer. // Sou como o pássaro que caga em pleno voo / despreocupado / com o rumo que a merda possa tomar." Poesia que se preza é assim, não tem rédeas e nem cartão de ponto.

DEPOIMENTO

Não sou santo
nem tenho queda pra anjo.
Meu forte não é bondade ou concessão.
Não sou simpático
nem faço questão de sê-lo.
Não tenho inimigos
mas não será por medo
ou sentimento medíocre parecido
que deixarei de tê-los.
Quero ser sincero
como a lua que nunca é igual
mas é sempre a mesma.

Fantasiar as palavras
encobrido-as com a seda do medo
ou amaciando-as com o algodão da meia verdade?
Não sou bonzinho.

Quero ser pornográfico
enquanto não quiserem que eu seja pornográfico.
Sou teimoso feito mula.
Pasto em hora errada.
Ser gentil é puxar saco com classe.
Não tenho classe, moral, educação
e se entrei no sistema, foi sem querer.

Sou como o pássaro que caga em pleno voo
despreocupado
com o rumo que a merda possa tomar.
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