Jerebinha 10/12/2020
O absurdo da existência, até demais...
Esse conjunto de contos escritos pelo baiano Mayrant Gallo incomodam, para o bom ou mal sentido, desde o início. Kafka vai no título, mesmo se referindo apenas ao último conto (que tem pouco a ver com o clássico escritor), porém está presente em quase todos os contos, pois tudo parece ter um 'quê' kafkiano que tende ao incompreensível, ao absurdo. Os contos, alguns ancorados no real, outros no imaginário, carregam um forte peso absurdista e parecem também ter toques murakamianos (ou apenas bebe da fonte kafkiana, assim como o autor japonês?) o que traz sempre um tom de melancolia e aridez. A obra tem altos e baixos, contos incríveis e outros que pouco agradam, ou sequer fazem sentido, e apresenta um melhora do meio pro fim, de modo brusco até, que faz a leitura progredir de forma mais agradável. Minha principal crítica fica ao autor, pois todas as vezes que um conto retratava um negro, expressões como "o negro", reduzindo o personagem a isso, assim como outras expressões usadas, demonstraram um pé, não sei até onde profundo, no racismo. Não é possível que em 3 contos (ou mais, até onde consigo lembrar) todos os negros serem tratados como diferentes, sendo sempre marginais, ou estereotipados. Poucos personagens tem sua cor de pele citada, porém o negro sempre que aparece é citado como "o negro", "o negro", "o negro" e sua cor é descrita a cada passo. Se a perspectiva racista fosse dos personagens seria uma coisa, mas ela parece ser mesmo do autor, do narrador. Bom livro, mas esse último ponto é revoltante e incomoda mais que qualquer história absurda. Não existe mais espaço para isso na literatura (mesmo sendo um livro de 2003), nunca deveria ter existido.