Sociedade Secreta Ku Klux Klan

Sociedade Secreta Ku Klux Klan Pedro Silva




Resenhas - Sociedade Secreta Ku Klux Klan


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Miguel 08/08/2019

Um livro para desvendar os mistérios do preconceito e do racismo

Por Pedro Silva

O ano de mil oitocentos e sessenta e seis marca, é certo que, ao mesmo tempo, o fim e o início de duas épocas completamente distintas. O antes, composto pelos Estados do Sul, comportando-se, nos mais diversos setores, a um nível básico, quase como se estivessem na Idade Média. Tudo estava ainda por explorar e, inclusive, a indústria era algo muito distante e, até, em alguns casos, desconhecida. O cultivo do algodão, à custa da mão de obra negra, que fornecera, durante tanto tempo, os mercados europeus – sobretudo os de Inglaterra e França – era agora bem mais dispendioso. Servindo-se da célebre deliberação de Abraham Lincoln, pela qual todos os escravos seriam considerados homens livres, os trabalhadores dos campos algodoeiros tinham conseguido, em muito pouco tempo, transferir-se do Sul para o Norte, onde foram encontrar a liberdade, mas condições ainda mais deploráveis. Apesar de apoiantes do abolicionismo, muitos dos habitantes desses Estados pretendiam, acima de tudo, expulsar os negros dos seus territórios e enviá-los para
algumas ilhas autônomas, para obterem a liberdade, mas onde, pois claro, estes abolicionistas não teriam de conviver com a sua presença constante. Era essa, também, a ideia – talvez não fosse a principal, mas, pelo menos, era aquela que ele considerava, acertadamente, e atendendo à época, a mais fácil de concretizar e a que levantaria menos celeuma – do “grande pai” Lincoln, mas, após ter falhado por duas vezes nas suas intenções, acaba por desistir. Tal deveu-se a dois pormenores: o primeiro porque, apesar das promessas de uma vasta fonte de carvão, da qual os negros poderiam retirar a sua subsistência, tal oportunidade gorou e o segundo pelo simples fato de um audaz aventureiro ter levado alguns negros para a ilha, mas sem lhes ter conseguido garantir as mais básicas
necessidades. Acima de tudo acaba por ser um bom negócio para o afoito norte-americano.

O Sul, dividido em duas zonas – a Bible Belt e o Deep South –, era uma grande região onde as raízes anglo-saxônicas e a religião Protestante tinham uma influência esmagadora. A parte mais setentrional, ou Bible Belt, composta por Estados como o Tennessee, o Arkansas ou a North Carolina, era uma zona com grandes carências, sobretudo econômicas. No Deep South, composto por, entre outros estados, o Mississippi, o Alabama ou a Georgia, situavam-se os grandes “impérios do algodão”. Nesta zona foram sentidos, ainda mais, os efeitos de uma devastadora Guerra Civil.

Esta região, extraordinariamente antagônica em relação ao Norte, tentara, através da Guerra da Secessão a sua completa liberdade e, no
ano de 1862, não parecia estar muito longe disso, como o comprovam os apoios de Napoleão IV de França e dos políticos ingleses. Havia entre eles uma espécie de “comunhão de espírito”, como refere o próprio soberano francês, reportando-se ao fato de ambos terem tendências aristocráticas. No Norte, porém, havia uma maior aproximação aos ideais, conhecidos em todo o mundo, de que os Estados Unidos da América eram a “terra
das oportunidades”, o que equivale a dizer que qualquer um, tivesse ou não nascido com “sangue azul” nas veias, poderia aspirar a ser presidente do seu país – como foi o exemplo, perfeito diga-se, de Lincoln. Nesse mesmo ano, em que o conflito parece pender mais para o lado sulista, crê-se mesmo que a vitória lhes assentaria bem, tendo em conta alguns
fatores. No Sul, a carreira militar era motivo de honra e orgulho, pois até em West Point os melhores alunos descendiam de aristocráticas famílias sulistas e, para além disso, mesmo nas classes menos favorecidas, quase todos conheciam a nobre arte de andar a cavalo. A tudo isto juntava-se ainda a incapacidade de liderança de alguns dos mais destacados comandantes dos exércitos da União e, por outro lado, a extrema avidez de conquistas e reconhecidas capacidades táticas de generais sulistas como Robert E. Lee ou Stonewall Jackson. As grandes nações europeias, ainda que contestatárias da escravatura, estavam atentas ao desenrolar dos acontecimentos e, mais importante, começava a faltar-lhes algodão, daí o apoio, ainda que velado, às hostes sulistas. Porém, como é sabido, a União conseguiu derrotar a Confederação, mercê sobretudo de maior número de efetivos e melhor equipamento. Alguns soldados nortistas, conforme foi conhecido mais tarde, ficavam condoídos ao saber da extrema pobreza em que se encontravam os confederados e questionavam-se como era possível àqueles combatentes aguentarem tanto em tão más condições. Afinal, o espírito aristocrata, superior, arrogante, que era apanágio dos habitantes dos Estados confederados tinha-se tornado num apego à causa que surpreendeu tudo e todos. As meninas ricas do Sul, sempre interessadas em se preparar para as grandes festas onde se encontravam os melhores maridos da região, ajudavam agora, como podiam, os soldados que as defendiam, quer através de auxílio aos médicos como também no apoio velado em termos de mantimentos ou fardamento.

O que se seguiu, a partir do final do conflito, foi a constatação de um fato que a todos se apresentava inequívoco: o Sul precisava de uma remodelação ou, então, arriscava-se a viver miseravelmente até ao declínio completo. Os próprios habitantes pareciam dispostos a isso, mas a forma como tal transição se concretizou veio retirar-lhe qualquer possibilidade de sucesso. As vagas sucessivas de agentes federais e colaboradores da região, ou seja, como vulgarmente lhes chamavam, respectivamente, carpetbaggers e scalawags, não ajudaram em nada o processo, sendo tal contrariedade auxiliada ainda pela presença,
entre eles, como em tudo na vida, de elementos desestabilizadores. Alguns dos habitantes da região derrotada eram, agora, na sua própria terra, desacreditados, sendo como tal afastados dos lugares de decisão e poder. Todas estas contrariedades juntas vieram reforçar
a ideia negativa. Até meados do século XX, o Sul manteve-se pouco desenvolvido e sem grandes perspectivas de melhorias significativas. Refira-se que, considerando os Estados Unidos da América como um todo, em 1890 perto de sessenta e cinco por cento da população era rural, enquanto que um século depois apenas um quarto da população se mantinha ainda fora das zonas urbanas, apesar de que apenas três por cento tivessem ligações com a agricultura. O Sul era, evidentemente, a região que mais contribuía para essa percentagem, podendo-se assim compreender o atraso notável da indústria local.
É desta forma que, nos finais do século XX, o tradicional cultivo do algodão é substituído, sobretudo, pela criação de gado, mas também pelo cultivo de legumes e frutas. Junto a isso, surgiram então as grandes indústrias – manufatureiras e de transformação –, aproveitando os baixos encargos da mão de obra sulista.

Hoje, tal como acontecera há mais de cem anos atrás na parte norte dos Estados Unidos da América, o Sul começa a sentir os efeitos de um crescimento econômico acelerado, com as consequências que daí advêm. As indústrias fazem-se sentir numa escala compreensível apenas pelos (quase) inesgotáveis recursos existentes na região, principalmente após a descoberta de petróleo. Todavia, os dois grandes “blocos” norte-americanos, tal como há um século, continuam marcadamente diferentes, sobretudo ao nível da cultura, muito específica de ambos os lados. O Sul foi a terra da escravatura, onde os grandes possuidores de plantações esbanjavam enormes quantias em grandes festas. O Negro, apesar da sua condição, não deixava escapar algumas oportunidades para se divertir, ainda que de uma forma diametralmente oposta àquela dos seus senhores. Daí que existisse a necessidade de algo que trouxesse ainda mais ânimo às festas: como tal, os brancos adotam a country music (música regional, sertaneja ou caipira), enquanto que os negros preferem o jazz (barulho ou ruído). Ainda hoje, em alguns locais do pacato Sul, muitos se questionam como podem preferir os habitantes das grandes cidades do norte do país todo aquele bulício diário ao descanso de um dia de trabalho sem grandes agitações de tráfego e compensado, ainda
assim, com um final de tarde num qualquer baile animado pela música regional. E tantas são as diferenças que, nas regiões marcadamente Protestantes da Dixie Land, a ida à Igreja ao Domingo de manhã é um ritual escrupulosamente cumprido, enquanto que no Norte não deixa de ser, em alguns casos, algo de enfadonho.

Assim sendo, as condições estavam mais do que reunidas para que a ruptura, concretizada com o eclodir da Guerra da Secessão, tivesse um seguimento através de uma sociedade secreta, que era considerada por alguns sulistas como a grande defensora dos ideais desta região e que por ela lutou durante mais de um século: o Ku Klux Klan.

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