Rub.88 08/11/2019A Vida Inteira é um Compromisso...Um quadro é mais que uma tela de pano, que a moldura de madeira e de tinta de diversas cores espalhadas a esmo ou ordenadas para reproduzirem uma cena ou retrato. Uma pintura tem vida. Significando. Ela respira e brilha na intensidade que atingi ao observador. Apreciar uma obra de arte, dar o seu valor não precisamente pecuniário, mas o impacto sentimental que a visão proporciona e juntar a isso a estória por trás da feitura do objeto, a dificuldade da produção do mesmo, a biografia e o talento do pintor e a força que algo imutável, estático, tem em incitar linhas de pensamentos e outras imagens. Em suma, ver a beleza além da imagem não é para todos. O grau de sensibilidade difere tanto entre as pessoas, entendidos ou não em qualquer meio de expressão humana, que pode fazer alguns passarem direto sem notar um quadro belamente pintado enquanto a outros provoca lagrimas sem uma explicação fácil de dar.
No livro Os Catadores de Conchas da britânica Rosamunde Pilcher conta da entrada irrevogável na terceira idade da senhora Penelope Keeling. Ela acaba de ter um pequeno acidente vascular. Um enfarte que dá pouca importância. Foi hospitalizada por medida de segurança, mas se deu alta assim que pode se firmar nas pernas e voltou para sua casa no campo, a propriedade se chamava Podmore’s Thatch. Muitas outras casas nesse romance tem nome, deve ser um costume muito inglês, acho. Em casa a senhora Keeling faz o seu chá e se senta perto da lareira que acabou de acender. Também nessa estória as casas além de um nome são muito frias. A todo o momento se fala do aquecimento central e de casacos. Acima da lareira que crepita esta o quadro intitulado “Os Catadores de Conchas”. A descrição da obra é desnecessária. O nome é suficiente para dar uma ideia do que está pintado. O artista que fez a obra é conhecido por poucos nos círculos de apreciadores de pinturas vitorianas. O nome do autor da obra que a velhinha admira com familiaridade é Lawrence Stern que também é pai da senhora recém-infartada.
Dona Penelope tem três filhos que estão em níveis diferentes de preocupação com a saúde da mãe. Nancy, dona de casa empertigada com seus insignificantes e irritantes problemas domésticos, pensa que a mãe não pode mais morar sozinha depois do episodio. Olivia, editora de uma revista de moda confia plenamente no autojulgamento da “Mama”. Acha que se ela diz que esta tudo bem, esta tudo bem. Noel, um galanteador boa vida, não dá nenhuma opinião sobre o caso para não escolher um lado possivelmente perdedor. Gosta de estar sempre com a razão e por isso não sai da posição confortável de encima do muro.
O porem do livro, o único porem real, pois não tem nenhum outro conflito importante para quebra de ritmo ou um ponto culminante onde o enredo acentua o tom é que os pintores vitorianos entraram na moda. Qualquer pinturinha dessa época está valendo um bom dinheiro no mercado da arte. Isso faz os olhos arregalarem e bocas salivarem de dois dos três netos de Lawrence Stern que não chegou a conhecer nenhum deles. Casou bem idoso e morreu meio esquecido e com artrite nas mãos, o que o impossibilitava de pintar no final da vida.
Com o susto que a dona Penelope passou é inevitável não pensar, e reavaliar, oque é realmente importante na existência. Como em que gastar as energias que restam e viver melhor os dias futuros que já não são tão numerosos.
Além do Os Catadores de Conchas, dona Penelope tem dois quadrinhos no patamar da escada que só ela gosta. Quando Noel, primeiro, depois Nancy ficam sabendo do valor que as obras podiam alcançar correm para falar com a mãe para convencê-la a vender e ainda por cima dividirem o dinheiro. A senhora Keeling houve os filhos pacientemente e simplesmente diz não. Que não esta precisando do dinheiro e gosta dos quadros. Os filhos a acusam de insensibilidade, e que só pensa em si mesma. Dona Penelope que criou praticamente os três filhos sozinha, o marido inútil e metido a deixou depois da segunda guerra, economizava cada penny para que houvesse o maldito aquecimento central, ficou inglesmente puta.
No romance a muitas brigas familiares. Dinheiro e modo de conduzir a vida são os motivos principais das rugas. Contudo nada se resolve ou muda. Tanto ressentimento nessas paginas que chegava a me irritava, e bastante. O livro é grande e demorei mais de um mês para termina-lo. Mas o motivo da demora foi mais essa lega-lega de você nunca fez nada por mim, você gosta mais da Olivia do que de mim, você só liga para esse jardim, não fala direito com seus netos e dá mais atenção aos estranhos e empregados, nunca me apoiou em nada... Uma desfiada de choradeiras que somado ao calor que fez em São Paulo em outubro de 2019 retardou a leitura do livro. É bem escrito sem duvida, mas sonolento.
Em dado momento dona Penelope faz uma analise do passado e do presente. Isso significa flashbacks na narrativa. Cada capítulo do livro tem o nome de um dos personagens e com isso o personagem se torna o centro momentâneo da estória. A estrutura seria interessante se houve um liga mais direta entre os episódios. Eu ficava lendo e percebia que tal capítulo não era extremamente necessário. Podia ate exclui-lo de todo ou fazer algo mais abreviado. A coisa me pareceu toda desconjuntada. Contou-se sobre o pintor, da jovem mãe da Penelope, dos três filhos separadamente, do jardineiro, de uma adolescente que é forçada na estória, do caso que a Dona Penelope teve durante a segunda guerra. Um novelão. Era como assistir Casos de Família, mas sem as bizarrices e a gritarias. E o que ficava era o sarcasmo, os comentários maldosos, uma felicidade desmedida por nada e uma obsessão em tomar chá. Chá curava realmente todos os males.
Palavras como encantadora e deliciosa, usadas em todos os contextos me enervavam demais. Eu não gosto de qualifica algo como datado. Toda a obra é fruto do seu tempo e se ele puder transpor a época que foi feita sem muita percas isso a coloca num grau de clássico.
Mesmo tendo uma escrita fácil de ser lida e que faz sentido imediato, não é do meu gosto ler algo onde nenhuma emoção acontece. Tudo transcorre como se fosse inevitável. Rosamunde Pilcher, como outros autores, não sabem quando a estória acaba. Assim que o destino do quadro é decidido, ali devia ter tido o ponto final do romance. Mas não, houve ainda mais cem paginas enfadonhas para um final agridoce que deixou um gosto de bala velha na boca...