Vida aberta

Vida aberta W. J. Solha




Resenhas - Vida aberta


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Krishnamurti 09/09/2019

A epopéia humana em “Vida aberta” de W. J. Solha
Filosofia & Literatura vez ou outra se misturam. É uma relação difícil esta, porque no íntimo de cada uma delas, opera-se um métier muito particular que intenciona um vocabulário próprio. Todavia, se é verdade que ambas vislumbram, em seu horizonte, o conflito da existência humana, é possível estabelecer entre elas uma vizinhança comunicante ou, uma orientação de uma pela outra no sentido de potencializar o pensamento nas tramas do saber literário. Seja como for, cada vez menos restam dúvidas de que a filosofia pode trazer elementos necessários, para que a literatura se desenvolva a partir de si mesma; e a literatura, por seu turno, pode desenvolver temas que serão enrijecidos pelo discurso técnico do filósofo. Assim, no horizonte da produção filosófica e da produção literária, nos deparamos com o mesmo homem atravessado pela incompletude, pelo desejo de ser, pelo nada cravado por sua essência, pela falta, pela busca de sentido de sua vida que é sua tarefa própria. Filosofia e Literatura partilham desses mesmos anseios e buscam, cada uma por seu estilo próprio de significação, comunicar o drama da existência, detalhar o máximo possível a experiência do homem no mundo.

Um pouco mais adiante. O escritor que se engaja na expansão de seu Eu lírico rumo a um universalismo, faz uso dos signos, desmistifica o homem ao próprio homem, dissolve mitos e fetiches com banhos de ácidas críticas. A literatura é o espelho crítico de uma época, ela narra as aventuras do homem imerso em sua situação. Coloca em prática e singulariza a experiência das leis da consciência, figura e estiliza a facticidade própria do para-si em detrimento ao em-si.

O senhor W.J. Solha é um escritor que não ignora as amplitudes que a arte pode construir. Sua mais recente obra editada pela Editora Penalux, constitui-se em extenso e profundo poema - “Vida aberta”, que tem inclusive, o sugestivo sub-título de “Tratado Poético-Filosófico”, no qual fica patente um esforço de criatividade vulcânica. E nosso escritor filósofo almeja a constante liberdade, desejo que nos atravessa de ponta à ponta, o drama da existência.

O discurso filosófico encontra seu melhor acabamento na literatura, e a literatura pode ver-se rigorosamente formulada pela técnica discursiva filosófica. Não se trata de uma primazia do literário sobre o filosófico, trata-se, muito além, de unir dois meios de decodificação do real, de duas maneiras muito próprias de realizar o encontro do homem com o homem; trata-se afinal e também, da facticidade do homem em face de sua liberdade monstruosa. E sob essa perspectiva o poema “Vida aberta” se abre com três imagens alegóricas que cercam a “ansiedade” de um homem já entrado em sua maturidade existencial. Poderia ter escrito homem contemporâneo – porque a verdade é que a humanidade anda ‘caindo de podre do pé’ mais não amadurece, outra metáfora aí. Mas voltemos para as três imagens: a primeira é a do transatlântico Titanic. Navio que um dia foi tido como o supra-sumo do engenho humano (e que nem Deus seria capaz de submergi-lo). Como se sabe, em sua viagem inaugural em 1912, o Titanic ironicamente, afundou fragorosamente ao chocar-se com um iceberg. A segunda imagem, por assim dizer, metafórica, envolve um índio apache e um homem branco. Este último em seu delírio de “progresso” a qualquer custo, acreditou montar no apache e esporeá-lo para que galopassem rumo ao monstruoso mundo que acabou criando. A última grande metáfora é a espora, que funciona em verdade, como um esporão a espicaçar a nossa consciência e ao qual todos estamos submetidos.

Importante referir que essa três imagens retornam ao final do poema com uma força extraordinária no nível de alargamento de percepção humana que o autor logra acertar ao longo do poema. É deveras interessante a erudição que o autor demonstra, em sua grande habilidade em costurar conceitos, mitos, crenças, atavismos, obras de arte, autores, acontecimentos, tendências, artistas, santos, escrituras em suma; toda a tremenda carga cultural e simbólica que a humanidade acumulou em milênios. O poema em sua velocidade referencial estonteante construída sempre em uma chave poético-filosófica, faz o leitor sentir-se a observar aquele frenesi neurológico das primeiras películas do irmãos Lumière que realizaram a primeira projeção cinematográfica em Paris, em 1895 e que mais tarde ficamos conhecendo como o cinema mudo. O autor realiza um empreendimento nesses moldes de uma forma tão incisiva nas imagens que levanta, de tal sorte coerente e concatenadas, que assistimos ao desenrolar das eternas questões que sempre ocuparam as mais profundas inquirições existenciais da humanidade desde tempos imemoriais.

A alma é uma mina de desejos e, se na sua eterna insaciabilidade o gozo se conserva sempre como uma miragem, a progressão das miragens constitui a via do progresso e esse é o impulso que nos tem feito avançar aos trancos e barrancos. Estamos lançados nesse mecanismo, nesse jogo de forças pelas quais, de ilusão em ilusão substancialmente nos elevamos. Este o instinto fundamental da vida, a insaciabilidade do desejo de evolver. O sonho está sempre, eternamente, no amanhã, para que se transforme em sociedade. Assim, continuamente se desloca a nossa posição na linha do progresso. A grande questão é como isto vai se dando. Que outra coisa, senão um jogo de espelhos posto aos olhos dos “tubarões traiçoeiros, que abrem... a gula a... cardumes inteiros!” que ainda somos, poderia induzir a inconsciência humana, ignorante de seus elevados fins a se adiantar no caminho da evolução? Nem o temor do diabo conseguiu tal façanha.

A luta entre “homens brancos e apaches”, é (e sempre foi atroz e brutal), justamente porque assim escolhemos que fosse – na base de dores e mais dores, talvez para que nos conheçamos e nos combinemos em unidades mais amplas e compactas. Entretanto, o livre arbítrio humano não está isento de colher as consequências de seus próprios atos, provar dos frutos amargos como até aqui tem sido. O tratado Poético-filosófico levado a efeito em “Vida aberta, nomeia o real, abre os caminhos possíveis, faz com que o sujeito tome consciência de sua época, estando consciente de si mesmo.

Ainda um pequenino detalhe muito interessante sobre a obra do senhor W.J.Solha. A bela imagem que ilustra a capa é um caso típico de complementaridade, porque obra e capa, confluem para pensarmos o drama da existência humana. Colidem no reverberar das inquietações da vida. Linguagem poética & Linguagem artística não necessariamente nesta ordem. A imagem é de autoria desconhecida e foi usada pela primeira vez na obra “Atmosfera: Meteorologia Popular” (1888) de Camille Flamarion (1842-1925). Este foi um astrônomo, pesquisador psíquico e divulgador científico francês. Popularizador da astronomia, recebeu notórios prêmios científicos e foi homenageado com a nomenclatura oficial de alguns corpos celestes. Sua carreira na pesquisa e popularização de fenômenos paranormais também é bastante notória. No seu livro “Mysterious Psychic Forces” (que é de 1909), ele escreveu: “Que as almas sobrevivam à destruição do corpo eu não tenho a sombra de uma dúvida.” Importante observar na ilustração que os corpos celestes do plano terrestre - onde está o homem a perquirir outras ambiências cósmicas - , o sol e a lua, têm faces humanas, evidenciando o antropocentrismo, ou seja, a transição entre a cultura medieval e a moderna. Um antropocentrismo visto como a passagem de uma perspectiva filosófica e cultural centrada em Deus a uma outra, centrada no homem. Perspectiva intelectual que toma como único paradigma de juízo as peculiaridades da espécie humana, mostrando sistematicamente que o único ambiente conhecido é o apto à existência humana. Hoje, em pleno século XXI, tal perspectiva tende a cair por terra porque já há quem conceba o universo não como um meio para a realização do próprio Eu, como se este fosse seu centro, mas como um universo regulado por uma lei suprema em cujo seio é possível realizar o próprio Eu, contanto que seja em harmonia com tudo o que existe... Continuemos a caminhada...

Livro: “Vida aberta” – Tratado Poético-Filosófico - Poesia de Waldemar José Solha – Editora Penalux, Guaratinguetá - São Paulo - SP , 2019, 106 p.
ISBN 978-85-5833-353-1
Link para compra e pronta entrega: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/vida-aberta
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