Coisas de Mineira 09/02/2020
Algumas histórias não precisam de muitas páginas pra nos emocionar. Esse com certeza é o caso de “A Devolvida”, lançamento do último semestre da Faro Editorial. Um livro pequeno, com menos de 200 páginas, que conta uma história dura pelos olhos de uma garotinha de 13 anos que viu seu mundo virar de cabeça para baixo de uma hora para outra. Um clássico italiano que merece muito ser notado.
A garota de 13 anos cresceu feliz em seu lar abastado, sem nunca imaginar não pertencer ao local. Porém, iniciamos a história descobrindo que ela está voltando pra casa de sua mãe biológica. A justificativa de seus pais adotivos é que sua família biológica, primos distantes do casal, a pediram de volta. No entanto, bastam poucos minutos na nova casa para descobrir que isso não é verdade. Um lar precário, onde falta higiene, educação e comida para os pais e seus cinco filhos. Agora seis.
“As vezes, basta pouco pra vida mudar de repente.”
Em meio ao choque de descobrir ser adotada e toda a mudança que isso implicou, a tristeza pela brutalidade em seu abandono pelos que sempre foram seus pais e o desespero em estar em um lugar desconhecido, com pessoas que nunca viu, a “devolvida” precisa agora superar e encontrar uma forma de viver na nova realidade. Ainda assim descobrir em quem pode confiar, em como será sua relação com seus novos irmãos e pais. Ela não tem mais um nome, apenas o estigma de ter sido abandonada duas vezes.
Começo dizendo que achei a sinopse desse livro sensacional. Eu precisava ler. Contudo, apesar de não entregar muito, como não se sensibilizar com a garotinha rejeitada? Você não sabe o que aconteceu e também precisa de explicações, assim como ela. À medida que estas não chegam, você também passa pelos mesmos estágios que ela: Confusão, tristeza, indignação, raiva… E nada mais justo, estamos acompanhando a história pelo olhar dela.
“Repetia devagar a palavra ‘mãe’ umss cem vezes, até perder todo o sentido e se tornar apenas um movimento dos lábios.”
E quem é ela? Uma garota sem nome. Ele não nos é falado. Mas por que deveria? Ela não é conhecida por nome algum! Para a maioria é apenas “a devolvida”, dentro de casa é “aquela”. A menina também não sabe mais quem é, e acompanhamos a sua trajetória de auto-conhecimento. Ainda que desolada, ela precisa se desvincular dos velhos hábitos, amigos, afetos… Contudo, ela precisa lidar com um novo mundo da forma mais bruta que ele pode ser.
Sua relação com a nova família acompanha toda a confusão de seu abandono. Se por um lado ela foi devolvida a eles, em seu coração não existe essa noção de pertencimento. Mas também nem nas atitudes que recebe. Seus pais agem com indiferença, seus irmãos com receio e implicância. Apesar do laço fraternal, eles nunca sequer se viram ou souberam da existência dela, e isso pode ser mais conturbado do que deveria. Mas não vou detalhar devido à grande facilidade de surgir spoilers.
No entanto, em meio a esse turbilhão de emoções ela encontra um ponto de apoio em sua irmãzinha mais nova, Adriana. Muito espontânea, esperta e dona de uma personalidade ímpar, ela protege e ajuda “a devolvida” nesta transição para a nova vida e novos costumes. Uma amizade que surge a partir da necessidade de dividir uma cama pequena e cheirando a urina. Os momentos das duas são um refresco até para nós leitores em meio a tantas dúvidas e indignações.
“Eu fiquei órfã de duas mães vivas.”
E nessa transição ela descobre que pode existir maldade ainda que só enxergasse bondade, e da mesma forma o contrário. A “devolvida” é obrigada a crescer cedo demais, a descobrir em quem e em que confiar. Principalmente ao ver como as pessoas podem usar as outras de acordo com seus interesses, sem a menor responsabilidade emocional.
Como sempre a edição da Faro Editorial está impecável. Sou fã! Ainda que tenha uma capa simples, é bem impactante e bonita. Te transporta à inocência infantil sempre que você abre o livro, com os trações de uma garotinha em destaque. Ao mesmo tempo que possui as famosas páginas amareladas e de maior gramatura utilizadas pela editora, que são ótimas para a leitura. Prazeres que aquecem o coração do leitor, né! Sendo assim, não há dúvidas que indico que se aventurem nesta linda história. Rápida, porém muito tocante e reflexiva.
Por: Karina Rodrigues
Site: www.coisasdemineira.com/a-devolvida-donatella-di-pietrantonio/