Samantha @degraudeletras 04/06/2019CASARES, Adeolfo Bioy. O sonho dos heróis. São Paulo: Biblioteca Azul e TAG, 2019.A revista da TAG frisou bastante que Bioy Casares viveu à sombra de Borges, seu grande amigo e importante escritor da língua espanhola. Javier Cercas indicou esse livro alegando que nessa obra Casares prova, sem muito esforço, que sua escrita é melhor do que a do amigo que tanto o apagou.
Comparações a parte, tendo em vista que ainda não li nada de Borges, deixo aqui minhas impressões sobre O sonho dos heróis.
A história conta os dias de Gauna, um jovem mecânico que leva a vida entre o trabalho e os encontros com os amigos até que, por receber um palpite de seu barbeiro, ganha uma aposta em uma corrida de cavalos. O rapaz, então, resolve gastar seus ganhos no carnaval e proporcionar noites inesquecíveis aos amigos. O grande problema é que a terceira noite de carnaval é apagada completamente da mente dele.
Em um de seus dias comuns, ele conhece e se apaixona por Clara, filha do bruxo Taboada, e a partir daí ele deixa um pouco de lado o mistério do que aconteceu naquela noite um pouco de lado. A relação com os amigos já não é mais a mesma e ele atribui o fato ao seu novo relacionamento amoroso, relacionamento este que não é nada saudável, pois é pautado em ciúme (Gauna cogita bater e até matar Clara por puro acesso de ciúme). Clara é uma moça dada às artes, faz teatro e gosta de ler, realmente uma antítese de Gauna, que é machista e violento.
Depois de um outro acontecimento, Gauna resolve refazer seus passos para desvendar de uma vez por todas o que foi apagado de sua memória. Então, o leitor começa a perceber um mar de paralelismos proporcionado pela narrativa. A priori nós temos a nova percepção de Gauna a respeito das noites de carnaval, já que no começo do livro ele é apenas um jovem inconsequente e agora, após anos de um relacionamento estável, passa a ver suas atitudes e as dos amigos com um olhar mais crítico. Os extremos dos personagens também é algo que salta aos olhos, como já mencionada a disparidade de personalidade de Clara e Gauna, o que se estende a todos os amigos dele, típicos machões valentões. Por último, ressalto os sentimentos que Cassares provoca ao leitor que também é um céu e inferno.
Ao ler O sonho dos heróis nota-se uma história tênue, sem grandes clímax ou protagonista cativante. Porém, Casares brinca com os sentimentos do leitor com sua maneira de narrar a história. Confesso que em determinados momentos me peguei rindo de uma cena e em outras, fechando o livro de tanta repulsa (tem uma cena de maus tratos a um animal que me deixou péssima). O final da história é recheado de realismo mágico, o que tornou-se a parte mais envolvente do livro.
Logo que concluí essa leitura, pensei não ter gostado, mas depois de uma semana refletindo, mudei de opinião, pois apesar de a história em si ser bem simples, a narrativa do Casares me envolveu bastante e aí percebi a maestria dele como autor e sua capacidade de manipular os sentimentos do leitor. Ao final das contas, entendi os comentários de Javier Cercas sobre o subestimado escritor.
(Texto publicado originalmente no meu blog.)
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