Paula H. 26/09/2015
Um Hotel na Esquina do Tempo
Num contexto de guerra, Jamie Ford conseguiu traçar uma história que envolvesse questões linguísticas, além de bullying e questões familiares. A história se intercala, passando-se ora em 1942, ora em 1986 – com uns poucos capítulos entre esses dois anos. Durante o ano de 1942 – época da Segunda Guerra Sino-Japonesa – vê-se a história pelo ponto de vista de quando o protagonista, Henry Lee, tinha apenas doze anos, e mal compreendia as ações de seu pai. Henry e seus pais moravam nos Estados Unidos, sendo que, devido ao contexto político-social em questão, o pai de Henry o proibira de se comunicar em chinês, sua língua materna; enquanto que seus pais não compreendiam inglês, ou seja, Henry não poderia mais conversar com eles. O que é um ponto forte no livro, pois é a linguagem que permite que nos expressemos, que nos ajuda a formar quem somos, e a interagir com os outros. E essa atitude do pai de Henry acaba o isolando na própria casa. Não bastando isso, o menino fora enviado a uma escola de “brancos”, onde sofria bullying por ser chinês – e frequentemente era confundido com japoneses, embora usasse um button que dizia “sou chinês”, algo que o pai também o obriga a usar. Já quando a história se passa em 1986, mais ou menos quarenta anos depois, vê-se Henry viúvo, com um filho na faculdade.
Dá para ver que as experiências familiares de sua adolescência refletiram na sua vida adulta. Contudo, no decorrer da leitura, vendo pelo que ele havia passado, vi no Henry adolescente alguém que tinha atitudes interessantes que, curiosamente, pareceram não aflorar no Henry adulto. No começo faz sentido, mas, ao final do livro, quando já se tem a história toda, parece que o Henry adulto não soube aprender com as próprias experiências. Ou talvez seja exatamente tudo o que aconteceu com ele que o fez ser daquela maneira. Afinal, situações difíceis nem sempre nos ajudam a melhor encarar as situações diárias, às vezes criando uma espécie de resistência nas pessoas.
“O desastre é iminente, o que importa é como se administra a queda” (p. 49).
O livro começa, na verdade, com um capítulo de 1986, com Henry adulto, após a morte de sua esposa. Ao se deparar com o hotel Panamá, o qual está em novas mãos, num processo de reforma, Henry acredita que um dos objetos encontrados no porão é de sua amiga de infância Keiko. Durantes os anos de guerra, o porão do hotel fora usado por famílias japonesas para guardarem seus pertences e então, após quarenta anos, os objetos foram reencontrados, trazendo à tona o que ficou esquecido no passado. O hotel Panamá, nesse caso, funciona como um marco do passado com o futuro, daí o título “na esquina do tempo”.
“[...] objetos empoeirados, intocados durante mais de quarenta anos. Guardados para dias melhores que jamais viriam” (p. 15).
Com alguns capítulos aparece Keiko, uma menina japonesa que vai à mesma escola de Henry e que, com o tempo, acaba se tornando sua amiga. Considerando o que Henry passava, em casa e na escola, sem um local onde ele realmente sentisse que pertencesse, ele encontra em Keiko uma confidente, uma amizade que passava as barreiras sociais.
Um ponto interessante, embora não seja inovador, é a questão familiar. Enquanto que na família de Henry havia essa não comunicação, o pai sempre por dentro das questões políticas e sendo totalmente contrário aos japoneses, na família de Keiko havia comunicação, um companheirismo e aceitação que viria a ser outro mundo a Henry.
“Não concordamos com as decisões, mas demonstramos a nossa lealdade com a obediência” (p. 295).
Enfim, é uma história bem interessante. Em minha opinião, as melhores partes do livro foram as do passado, do Henry na adolescência. Os capítulos referentes ao futuro, ou talvez seja melhor dizer presente, foram importantes para a obra, trouxeram bastantes questões e resoluções pertinentes. Contudo, comparada à outra, parece que ficou apenas como uma conclusão da história. Ademais, quanto à narrativa, de início achei muito estranha, estou acostumada a narrativas que sejam escritas com maior presença de tempo verbal no passado, e logo de cara aparece muito “presente”. Mas fora isso, achei a narrativa um pouco fraca, objetiva demais, embora depois de alguns capítulos dê para se acostumar com o estilo.
Gostei bastante do livro, e é uma leitura que eu recomendo a quem goste de histórias de épocas de guerra e/ou drama.
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