Polly 05/01/2021
Lembranças das Drogas que me Mataram: difícil (#147)
Fui ingênua. Achei que As Lembranças das Drogas que me Mataram fosse uma simples continuação do primeiro volume dessa trilogia - já me arrisco a dizer - incrível. Achei que eu encontraria um Hugo ainda criança, achei que o livro se ateria aos mesmos temas, aos mesmos questionamentos. Ledo engano. Esse segundo volume é completamente diferente do que esperei, apesar de ainda trazer a mesma escrita envolvente (e angustiante) do primeiro volume.
Hugo, nosso protagonista, já está no início dos seus 20 anos, naquela fase em que a gente T-E-M que decidir a vida, se não, dizem, a gente fica para trás. Ele escolhe uma faculdade, escolhe um curso (Comunicação), passa no vestibular. Era para tudo ficar bem, estar bem, mas com a faculdade, vêm, na vida do garoto, os transtornos de ansiedade/depressão - de quem todo mundo no século XXI parece ser vítima. Quando ele começa a estagiar, numa grande e famosa revista, tudo só faz piorar. Hugo vai se deparar com questionamentos como: ele é capaz de enfrentar aquele mundo novo e tão adulto? É possível ser ético em um trabalho como o seu? é aquilo o que ele quer fazer para o resto da sua vida? é aquilo que ele realmente quer fazer da sua vida? Hugo vai se ver “dependente” de ansiolíticos, e se ver encurralado a ter que decidir entre ser ele mesmo ou manter a admiração da família, de amigos e da sua chefe surtada e antiética. Acompanhar todo esse processo é tão envolvente, quanto angustiante. Coisas de bons livros.
Confesso que foi difícil para mim ler esse livro. Sobretudo seu início. A descrição sobre todas as crises de ansiedade do Hugo foi quase um gatilho para mim. Eu gostaria de ter lido/visto alguma resenha do livro antes de começá-lo para não ser pega de surpresa como fui. Passei por algo parecido durante a minha graduação. Tive depressão. É complicado e dói até hoje. Você se culpa, porque o mundo te fez adoecer. Não faz sentido, mas é assim. Isso é tão pessoal, que eu não sei como o Pernet (o autor, agora, não o personagem) foi capaz de colocar tanto de si ali. É realmente desconcertante, surpreendente e sensível como o autor é capaz de misturar realidade e ficção. E a magia da sua escrita é justamente essa da gente se perguntar onde acaba o Hugo de verdade e onde começa o ficcional.
O livro ainda se propõe a discutir sobre a arte e seu processo criativo, com foco na escrita, é claro. Cita inúmeros títulos de livros que falam sobre o tema e, digo logo, que anotei alguns para ler. Um dia, também sonhei em escrever. E talvez esse sonho ainda esteja latente em mim. E, mesmo sem pretensão de ser uma escritora algum dia, queria voltar a escrever para "desafogar a alma”, pelo menos, foi sempre assim que pensei no processo de escrita. Queria não ter medo de criar outra vez. Meio bobo isso, mas, na minha opinião, para que Escrevamos (com E maiúsculo, mesmo) é necessária muita liberdade, e ela é um abismo sem fim. É preciso muita coragem para pular.
Bem, eu não sei vocês, mas acho que já estou me tornando fã do Pernet. Nem precisa dizer que eu indico o livro, né? Leiam.
P.S. de edição: depois de assistr à resenha da Vrá TaTá no canal dela, reparei que a minha impressão literária ignorou um recorte importantíssimo do livro. Acho que a minha "identificação" com alguns problemas do Hugo me fez passar batido por esse tema e olhe que ele é bem importante para mim. Para vocês verem apartir de quantas perspectivas podemos ver esse livro...
Bem, o livro se passa entre os anos de 2012 a 2015 mais ou menos e, não sei se vocês lembram, mas o Brasil fervilhava politicamente naquela época. Pernet discute muito sobre esse tema e sobre o papel das grandes mídias nesse processo. Todo aquele burburinho popular, que ajudou a legitimar o impeachment da presidente Dilma em 2016, é relatado com quase desinteresse por um Hugo completamente alienado no início do livro e, depois, como uma necessidade de entender aquela realidade.
Por Hugo ser de uma família de classe média atingida pela crise pela qual o Brasil passava, vemos o quanto essa faixa da população se sentiu "injustiçada". Como a Tatá fala em seu vídeo, consigo ver claramente a mãe e o pai do Hugo vestidos com a camisa da seleção brasileira pedindo intervenção militar em alguma rua de algum bairro de classe média pelo Brasil. Não dá para simpatizar muito com eles...
Enfim, vocês têm que ler!
P.S. 2: eu amo a forma como o irmão do Hugo acredita nele.