Crash

Crash J. G. Ballard




Resenhas - Crash


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Luiz 29/11/2009

Indigesto
É um pouco difícil escrever sobre Crash, de J.G. Ballard, portanto vou usar um recurso diferente ao começar esta resenha. Vou pedir para que você imagine um acidente automobilístico. Não a hora da batida, mas o depois, quando um bando de pessoas fica em volta das ferragens, observando os destroços, os feridos e os corpos estirados. Talvez você mesmo já tenha feito parte de um desses curiosos. Ou mesmo que não tenha chegado a tanto, deve ter ao menos diminuído a velocidade do seu carro ao passar próximo de um acidente e dado uma olhadinha.


O que leva as pessoas a isso? Qual o motivo desta curiosidade mórbida em ver um carro transformado em aço retorcido e pessoas mutiladas? Talvez a reação do observador seja um misto de excitação — por estar diante de algo chocante — com nojo e espanto: os três mesmos adjetivos empregados como reação à leitura de Crash.


Clássico da literatura underground, mas que só fui conhecer depois da adaptação ao cinema dirigida por David Cronenberg em 1996, o romance já é bizarro em suas primeiras páginas, ao descrever a estranha relação entre o narrador (que possui o mesmo nome do autor da obra, James Ballard) e sua esposa Catherine — um casal de classe social alta, sem filhos, que já experimentou todos os jogos sexuais para se excitarem e agora ficam contando um ao outro as relações extra-conjugais, a fim de ficarem em ponto de bala.


Depois de mais um encontro com a atual amante, o protagonista está dirigindo seu carro e sofre um grave acidente na auto-estrada, colidindo frontalmente com outro automóvel. O choque mata o motorista do outro carro e deixa James durante semanas em um hospital. Lá, ele passará por uma estranha transformação, pois aparentemente James já tinha problemas psicológicos antes do acidente, e aquele convívio direto com a dor em seus ferimentos, com o cheiro do ambiente hospitalar, com os curativos, enfermeiras e com as mortes ao seu redor parece ser uma complementação da transformação que se iniciou já durante a batida, quando peças do carro penetraram seu corpo.


Durante essa internação James percebe a presença constante de um sujeito misterioso, coberto de cicatrizes por todo o corpo, que já havia tirado fotos no local do seu acidente e parece entrar no hospital vestido de médico apenas para poder fotografar as pessoas acidentadas. Antes de receber alta, o protagonista descobre que o relato de seu acidente chega a excitar a esposa quando esta o visita, e a sua próxima amante será justamente a viúva do sujeito morto na colisão, que sobreviveu à batida. É neste crescendo de sexo em meio a batidas de carro que James finalmente conhecerá a figura de Vaugahn, o cara misterioso das fotografias: um ex-cientista que descobriu os prazeres dos acidentes automobilísticos, e que possui um séquito de seguidores que se excitam com colisões, com vítimas sendo retiradas das ferragens de um acidente e até com as próteses usadas por acidentados.


É doentio? Sem dúvidas, mas hoje em dia é natural ver gente que se excita com alta velocidade, com carrões turbinados e com sexo dentro de automóveis. Parece que J.G. Ballard simplesmente imaginou um futuro para essa relação entre homens e máquinas, e apimentou esse namoro, acrescentando sadomasoquismo na mistura. O resultado é esse romance que pode parecer muito indigesto para o leitor despreparado, que se assustará com as descrições detalhadas de órgãos genitais mutilados por partes de automóveis, e o fascínio que essas coisas exercem sobre as personagens.


Cronenberg fez um ótimo trabalho de adaptação ao transportar a obra ao cinema, mas tomou certas liberdades artísticas que deixaram a coisa ainda mais estranha. Por exemplo, a Catherine do filme é praticamente um réptil, sem emoções, sendo que no livro ela é muito mais humana e interessante. E no filme também foi eliminado aquele que é o ponto-chave da história: a meta de Vaughan em realizar sua maior fantasia sexual, que é a de envolver-se em um acidente com a atriz Elizabeth Taylor. Para compensar, Cronenberg criou cenas que não estão nas páginas da obra, como uma re-encenação bastante realista do acidente que vitimou James Dean para uma plateia.


Nesta panela entra, portanto, a questão de um futuro nada promissor para essa nossa geração aficionada por máquinas e por celebridades. Podemos dizer, então, que Crash é uma espécie de ficção científica psicológica, imaginando não o futuro dos desenvolvimentos tecnológicos, mas o caráter das perversões sexuais do amanhã, já que hoje a sociedade dá pistas de que isso pode realmente acontecer.


Pensem comigo: para muita gente, a masculinidade é medida pelo tamanho do carro que o cara possui. Todos os detalhes dos automóveis caros causam mais excitação em algumas pessoas do que um corpo saudável. As feiras de automóveis colocam sempre uma linda jovem com roupas sensuais ao lado dos veículos mais potentes, como se uma coisa estivesse totalmente ligada à outra. E estamos falando de um livro publicado em 1973, quando ainda era mais inocente esta fascinação pelos carros e pelas celebridades. Hoje em dia a produção automobilística é muito maior, e muito mais pessoas têm os carros a seu alcance, o que não deixa de ser assustador, depois da leitura deste livro. Salvo as diferenças entre os romances, Vaughan é um psicopata que lembra muito o Hannibal Lecter: inteligente, culto e com um gosto muito particular. Mas enquanto o terapeuta de O Silêncio dos Inocentes se deliciava ao saborear carne humana, o cientista de Crash é tarado por mulheres (ou homens, já que é bissexual) sendo penetrados pelo eixo da direção de um carro, durante um acidente. E eu não gostaria de encontrar um cara como ele pelo meu caminho.


Há um longo trecho, por exemplo, que de tão grotesco chega a ser atraente, quando o narrador descreve os atributos de determinada personagem que mais lhe causam excitação. Claro que não estamos falando de seios avantajados, ou de um belo par de pernas: o que o fascina são as próteses, as cicatrizes e o andar todo entrevado da moça, depois de sofrer repetidas colisões automobilísticas. Praticamente todas as cenas de sexo do livro acontecem dentro de carros, e elas são descritas com detalhes ultra-realistas, como a presença do muco anal e do cheiro de esperma seco que fica infestando o interior do automóvel.


Crash é uma literatura típica underground, no estilo dos livros de Chuck Palanhiuk (Clube da Luta), e não é recomendado para quem gosta de acompanhar uma história linear e fácil. Já nas primeiras páginas Ballard entrega que Vaugahn morre em um acidente com Elizabeth Taylor, sem conseguir alcançar seu maior objetivo, que era causar a morte da atriz. Mas para não te deixar desmotivado a ler a obra, aviso que o final é diferente do apresentado por Cronenberg — e apesar disso, conhecendo-o fica mais fácil compreender a intrigante conclusão daquele filme.
Nessa Gagliardi 24/09/2010minha estante
Adorei sua resenha! Ainda não vi o filme, mas me interessei pelo livro. :)


Raynara 27/09/2023minha estante
deu vontade de ler




Bruna 07/05/2013

bizarro. nojento. repugnante. incrível. maravilhoso. fantástico.
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Maria16577 07/01/2023

Crash é escrito lindamente, mas acaba sendo uma leitura um tanto cansativa. A questão é que o livro tem uma premissa incrível, mas não passa muito disso em termos narrativos. Um acidente de carro faz com que a vida dos protagonistas seja alterada de forma sensível, modificando em especial a sua relação com sua sexualidade, mas acontece que isso ocorre já nas primeiras páginas, e o resto do livro não passa muito de uma exploração dessa mudança. É interessante, mas não acho que tenha valido as quase 200 páginas.
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Joao.Paulo 30/08/2020

Acidentes como meio estilístico
Crash tenta conciliar o impulso sexual com a tecnologia, que, importante lembrar, não é moderna, é a tecnologia dos anos 70, totalmente analógica, sem nenhum vislumbre do mundo digital, portanto, acaba tendo conexão e impulso muito mais físico do que qualquer outra coisa.

Os carros servem como objeto de desejo, que projetam as vontades de transcendência do seu usuário, as feridas causadas pelos acidentes são a concretização dessa transcendência, que é dada de forma violenta, voltando-se para o sadismo. Essa transcendência não é mística, mas extremamente física, os ferimentos, objeto físico, são usados para recriar as sensações de êxtase provocadas pelos acidentes, os carros são usados mais como meio para se refletir (uma corporificação) do que qualquer outra coisa. O que realmente importa aqui é a estilização das mortes que os acidentes de carro criam, são obras únicas que os personagens tenta imitar, transformando-as em posições sexuais e acaba, realmente, sendo um lugar onde os personagens se vêem como criadores, dando nova vida para aquele já se foram.

O interesse de Crash está, não no ato sexual, mas na estilização do ato. Essa intenção de reviver as pessoas acidentadas, usando o sexo como meio de estilização da lugar para ares messiânicos, existe, basicamente, um movimento de transformar esse modo de vida e excitação degradante, em arte, que é criadora, refletindo aqueles que já se foram e os que se irão. Na nossa atualidade pouco podemos classificar a arte e o artista, qualquer coisa pode ser arte e qualquer pessoa pode ser o artista, tudo depende de uma questão de perspectiva, o observador (voyuer) está a um passo de se tornar o artista.
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Leonardo Robert 10/03/2009

Fantástico...
Já tinha visto o filme dirigido pelo maluco do Cronenberg há algum tempo, mas a experiência de ler é sempre mais interessante. Uma obra que foge de todo o senso comum, em uma crítica bastante peculiar da sociedade. Para os menos conservadores, é uma ótima leitura.
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Igor.Banin 03/10/2023

Diferente
Literatura bem diferente do que estava acostumado. Penso que poderia ser bem mais curto, especialmente no trecho inicial.
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Lance 25/04/2016

Dica
Leia as edições que tem a introdução do Ballard. Aqueles 3 páginas valem um livro todo, só uma página, na verdade, já vale. Incrível. Uma visão do papel das máquinas, prazer e dor no mundo moderno.
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Zeka.Sixx 04/04/2017

Perturbador, mas eu esperava um pouco mais
"Crash" é um livro com uma premissa doentia, interessantíssima e totalmente original, ao fundir perversão sexual com acidentes automobilísticos e as lesões deles decorrentes. Ballard escreve com maestria, trazendo os mínimos detalhes - técnicos e sexuais - de tal fusão. Contudo, ainda que a premissa seja genial, tenho que admitir que esperava um pouco mais, achei um pouco de "forçação de barra" as motivações dos personagens. Apenas um porém em um livro sinistro e totalmente pirado, mas que infelizmente não me tocou como eu imaginava. Outro pequeno ponto negativo vai para a tradução: não sei como é a linguagem no original, e posso até estar cometendo uma injustiça, mas o excessos de "púbis" e "vulvas" foram broxantes, hahaha! Recomendo muito a leitura para todos que querem ler algo pesado, bem escrito e diferente de tudo que já viram. Gostei, mas talvez a expectativa alta que eu tinha tenha atrapalhado um pouco minha percepção do livro.
Vi, verônica 02/08/2018minha estante
ainda não terminei o livro mas estou com as mesmas impressões que você!


Zeka.Sixx 03/08/2018minha estante
O filme é interessante! Se bobear, melhor que o livro! ;)




Anderson916 30/10/2021

Leitura muito interessante
Leitura bemmm sinistra, adorei, recomendo...

Sentir tesão com acidentes de trânsito é para poucos seres humanos, ainda mais se houver morte...
JurúMontalvao 30/10/2021minha estante
vdd
eu q já sofri um acidente de trânsito tenho gatilhos


Anderson916 30/10/2021minha estante
Poxa que triste Juruh




Cesar AS 05/03/2009

É difícil acreditar que Ballard escreveu este livro, principalmente depois de ler a porcaria do "ùltimo imperador". Recomendo o filme, que não deixou nada a dever ao livro.
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Luiz 12/12/2009minha estante
Último Imperador? Até onde eu sei, Ballard escreveu O Império do Sol. Mas tudo bem, eu também vivia confundindo esses dois, quando eu era criança. Li uns trechos de O Império do Sol e não achei nada porcaria. E o filme é ótimo! Abraço.




kêu 02/01/2012

o estranho ato de buscar o prazer
Neste livro Ballard, nos leva a refletir que as pessoas podem buscar o prazer das mais estranhas maneiras. Ballard traz uma história meio sem sentido, com pessoas estranhas que possuem hábitos estranhos e que se envolvem com pessoas mais estranhas ainda. A única coisa que conseguir extrair do livro é que as pessoas podem sentir prazer nas coisas mais bizarras e o que na maiorias das pessoas podem causar naúseas para eles podem proporcionar o mais alto grau do prazer...
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Ricardo 21/09/2012

Tirando o gosto pelo bizarro na busca por prazer,e a relação do mesmo com a morte,o livro não me agradou. Talvez por causa das minhas expectativas, que eram altas, após anos ouvindo pessoas falando como era um livro maravilhoso e tal.A narrativa é enjoativa e logo cansa, só tendo bons momentos de verdade lá pro final.
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Adriana Scarpin 21/07/2015

O mais freudiano dos livros
Esse livro é basicamente o colocar em prática a teoria das pulsões e pessimismo de Freud, além é claro de ser uma prosa erótica de primeira qualidade.
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Marcus 31/12/2015

Visão sombria do automóvel
Décadas antes de começar a discussão sobre se o automóvel será o "novo cigarro" - algo a ser banido num futuro próximo como nocivo à sociedade - J. G. Ballard escreveu Crash, uma visão que vai além do pessimismo.

O livro lançado em 1973 deu origem ao filme de David Cronenberg, 23 anos depois. Mas o texto original é muito mais perturbador. Perversão, escatologia, morte, sexo, drogas e crueldade se misturam. O tempo todo os personagens estão trocando fluidos corporais entre si e com automóveis, e por sua vez sendo manchados por combustível e lubrificante do motor.

Ballard, personagem homônimo do autor, sofre um grave acidente de carro, em que um ocupante do outro automóvel morre. A partir daí, ocorre a aproximação de Robert Vaughan, um homem marcado por cicatrizes de acidentes, fascinado por desastres que vitimaram celebridades como James Dean, Albert Camus e Jayne Masfield. Vaughan dirige um decrépito Lincoln, mesmo modelo em que foi assassinado o presidente John Kenned, dos EUA, e persegue obsessivamente a ideia de se envolver em uma batida mortal com a atriz Elisabeth Taylor.

Crash é um livro datado, pois houve evolução do automóvel. Os efeitos da segunda colisão - quando os ocupantes do carro são jogados contra superfícies internas - foram muito reduzidos com a evolução dos itens de segurança. Não é mais comum bater contra o volante, menos ainda contra o painel - claro, desde que se esteja usando cinto de segurança.
O vidro laminado do automóvel não estilhaça sobre as pessoas. Mesmo a referência à Varig - a maior parte da história se passa nas imediações do aeroporto de Londres - denuncia a idade do livro.

Crash poderia ser um livro mais curto. O texto por vezes torna-se repetitivo e cansativo. Pelo grotesco, seria uma história improvável. Mas basta pensar nas pessoas que insistem em não usar cinto de segurança, ultrapassam em alta velocidade pela direita, levam crianças soltas no banco dianteiro, dirigem em estado de embriaguês avançada. Os Vaugahn estão por aí.


J. G. Ballard nasceu na China de pais ingleses. E passou parte de sua infância em um campo de prisioneiros, até o fim da Segunda Guerra Mundial. Suas lembranças desse período resultaram no romance autobiográfico Império do Sol, transformado em filme por Steven Spielberg.
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